Criada sob estímulo do Ministério da Saúde com o propósito de dar uma satisfação à opinião pública sobre o aumento abusivo no preço dos remédios, a CPI dos Medicamentos está saindo do controle do governo. A possibilidade de os deputados quebrarem o sigilo bancário e telefônico dos 21 maiores laboratórios multinacionais que atuam no País está causando pânico na Esplanada dos Ministérios. Na quarta-feira 23, o relator Ney Lopes vai apresentar uma curiosa proposta ao plenário: a quebra apenas parcial do sigilo bancário da indústria farmacêutica. Por causa da cobrança generalizada para que se faça uma investigação mais profunda nas empresas, os ministros da Fazenda, Pedro Malan, da Saúde, José Serra, e o secretário-geral da Presidência, Aloysio Nunes Ferreira, chegaram a essa fórmula intermediária com os dirigentes da CPI. Acreditam que isso evitará o desgaste provocado pelas críticas de que estão assando uma grande pizza. De acordo com a nova proposta, os dados bancários seriam limitados a informações absolutamente necessárias ao entendimento do que está sendo apurado com a quebra do sigilo fiscal, já aprovada pela comissão. Na realidade, trata-se de uma tentativa de monitorar as investigações e conter a oposição que ameaça rachar a CPI se as contas dos laboratórios não forem abertas. Encampada por Ney Lopes, a alternativa governista deverá manter na gaveta os requerimentos do deputado Fernando Zuppo (PDT-SP) para que se promova uma devassa na indústria farmacêutica.

Ação protelada
"Não queremos dividir a CPI, mas não posso abrir mão do meu requerimento, até porque ele não me pertence mais, já se tornou público e outros colegas passaram a defendê-lo", avisa Zuppo. Na manhã da terça-feira 15, Ney Lopes recebeu os colegas da CPI em sua casa para um café da manhã, com o pretexto de comemorar seu aniversário e discutir as sub-relatorias. Ofereceu um cardápio nada frugal para o horário: carne-de-sol e feijão-tropeiro. Mas aproveitou para uma enfática defesa da unidade da CPI, numa preparação do terreno para a proposta alternativa do governo. Ao longo da última semana, o presidente da CPI, deputado Nelson Marchezan (PSDB-RS), evitou convocar reuniões deliberativas para não ter de discutir e votar a quebra do sigilo bancário. Fez um calendário de desculpas: na terça-feira não haveria quórum, no dia seguinte já havia depoimentos marcados e na quinta-feira o relator estaria ausente porque teria de resolver um problema particular. Só que na manhã da quinta-feira 17 Ney Lopes ainda estava em Brasília e foi ao Planalto tomar café com Aloysio Nunes. "Foi uma manobra descarada do Marchezan. Quando eu propus que se votassem os requerimentos, ele fez uma consulta a jato, quando muitos deputados não estavam. Será que querem esconder algo?", suspeita o deputado Geraldo Magela (PT-DF). "Todo mundo está percebendo que o relator e o presidente vêm protelando a decisão de quebrar esses sigilos. Está claro que há interferência do governo", ataca a deputada Vanessa Granzziotin (PCdoB-AM). Marchezan foi procurado por ISTOÉ, mas se negou a responder as acusações afirmando que o que tinha a dizer está na carta que enviou à revista e está sendo publicada nesta edi-ção, na seção de cartas.

Deputados da CPI temem que se não houver a quebra do sigilo bancário dos laboratórios a comissão não chegará a lugar nenhum, a exemplo de outras quatro investigações sobre a indústria farmacêutica feitas pela Câmara. "Corremos o risco de a CPI se desmoralizar", preocupa-se o deputado Luiz Bittencourt (PMDB-GO). Até o presidente do Conselho Regional de Farmácias do Distrito Federal, Antônio Barbosa, que vinha sendo considerado um eficiente colaborador pela cúpula da CPI, resolveu engrossar o coro dos descontentes com o andamento dos trabalhos. Irritado com um ofício de Marchezan em que pede explicações sobre quem financiou o dicionário dos genéricos de sua autoria e questiona o seu vínculo empregatício com o Senado, Antônio Barbosa partiu para o contra-ataque. Acusou Marchezan e Ney Lopes de fazerem a defesa da indústria farmacêutica. "Eles estão posando de bons moços, mas não são nada disso. Não quebrar os sigilos dos laborató-rios é uma atitude suspeita. Essa CPI corre o risco de acabar em churrasco de jerimum (abóbora)", disparou Barbosa que acumula as funções de presidente do Conselho com a de funcionário do gabinete do senador Carlos Patrocínio (PFL-TO).

Enquanto não aprofunda as investigações sobre os laboratórios que manipulam o preço dos medicamentos no Brasil, a CPI já conseguiu pelo menos identificar um vilão.

Empurroterapia
Em seu segundo depoimento à comissão, o presidente da Associação Brasileira de Farmá-cias (Abrafarma), Aparecido Camargo, o homem que chocou o País ao dizer que as farmácias vendem medicamentos B.O., "bons para otário", entrou em contradição com seu depoi-mento anterior. Foi incapaz de apresentar uma lista de produtos que podem ser classificados como B.O. e acabou confessando que a sua rede de farmácias em Curitiba, a Drogamed, também vende esses medicamentos. Só que nesse segundo depoimento, ele tentou amenizar o que havia dito antes. Em sua nova versão, B.O. significaria apenas bonificação. Bonificar medicamentos, aliás, foi a forma encontrada pelos laboratórios para estimular as farmácias a empurrarem seus produtos ao consumidor. A "empurroterapia" funciona assim: o bônus é dado às farmácias como uma forma de desconto e o balconista também ganha uma comissão ao vender os produtos bonificados. Em 1996, o Conselho Regional de Farmácias fez uma denúncia contra a bonificação à Procuradoria de Defesa do Consumidor do Distrito Federal. Nada foi feito. Agora, a CPI e o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Gonzalo Vecina, consideram essa prática criminosa. "Isto é uma ilegalidade, mas pouco podemos fazer porque a fiscalização é feita por Estados e municípios", lavou as mãos Vecina.