Há um mês, a atriz chilena Daniela Tobar, 21 anos, viveu exilada numa casa de vidro na Caje Moneda, no centro de Santiago. Daniela interpretou o papel de Daniela. Dormiu, comeu, tomou banho, trocou de roupa e teve um público de nariz grudado nas paredes transparentes de sua residência 24 horas por dia. A atriz foi selecionada pelo Fundo de Desenvolvimento às Artes, Fondart, ligado ao Ministério da Educação, para expor sua intimidade e provocar uma reflexão sobre o cotidiano. No dia 17 de fevereiro, Daniela e o Fondart encerraram a manifestação frustrados. Os pedestres da Caje Moneda não deram a mínima para a intenção do projeto. Só queriam ver a atriz tomar banho e fazer xixi. "Não entenderam nada. Era uma oportunidade para as pessoas enfrentarem a si mesmas", esbraveja uma das produtoras do Fondart, Laura Pizarro.

Os pensadores do Fondart mexeram com um sentimento dificílimo de controlar: a curiosidade. No episódio chileno, trata-se do interesse por detalhes que remetem à própria condição do homem, como usar o banheiro. É onde todo mundo se iguala e a idealização termina. "Nessa ótica, a vida alheia torna-se interessante porque desperta o voyeur que todos têm dentro de si. O problema é quando a intimidade ganha mais relevância que ações públicas", reclama Laura. Não acontece só no Chile. A declaração da atriz Vera Fischer de que não depila a virilha há 21 anos causou mais frisson entre os brasileiros que a meningite, a CPI dos Medicamentos… O que ocorre nesses tempos de capitalismo virtual e moral pós-convencional é que o voyeurismo popular vem sendo alimentado por um número cada vez maior de pessoas famosas e desconhecidas dispostas a revelar detalhes da vida íntima com a mesma naturalidade com que comentam uma partida de futebol.

A modelo Ana Carolina de Oliveira, 29 anos, ex-senhora Chiquinho Scarpa, foi uma que anunciaram sem pudores ter flagrado o marido playboy com outro na cama. "Não falei tudo. Há coisas do arco da velha que vocês não sabem", instiga a moça, ainda sedenta por manchetes sensacionalistas. Muitas vezes, revelações bombásticas como essa fazem parte do jogo de marketing. Gerar notícias sobre a vida privada é requisito básico para se manter na mídia e alavanca para auferir vantagens financeiras e sociais. Seis meses após o escândalo, Carola é pré-candidata a vereadora pelo PMDB e montou o site Princesa Carola, onde aparece em fotos sensuais e responde a perguntas indiscretas dos internautas.

Aparecer também faz bem ao ego. Foi idéia do próprio Clodovil, 63 anos, ser fotografado nu no banheiro de sua casa pela revista Caras. "Se eu fosse um jacá velho, não me mostraria. Quando um homem na minha idade pode ser dar ao luxo de ficar sem roupa é estimulante para o público", acredita. "Em geral, as pessoas curtem fazer fotos ousadas, mas têm medo de passar dos limites ou cair no ridículo", diz o fotógrafo Marco Pinto, que clicou Clodovil. "Vive-se o culto ao corpo e à própria personalidade. Fazer-se notar, ser alvo de comentários passou a ser a mola de motivação", avalia a psicanalista Maria Teresa Maldonado.

A apresentadora Xuxa Meneghel é mestre nisso. Quando andava à procura de amor, fez questão de partilhar seu sofrimento com o Brasil. Ao encontrar o dublê de príncipe encantado Luciano Szafir, não se esquivou de apresentá-lo no Domingão do Faustão. Semana sim, semana não está em alguma revista mostrando o novo corte de cabelo, as férias nos EUA… A filha Sasha passou a fazer parte dos spots. O primeiro banho foi para as lentes do Fantástico. A festa de um ano teve produção hollywoodiana e um batalhão de repórteres como convidados. Luciano não gostou e impôs limites. "Conversamos e hoje Sasha aparece menos." Mas a empresária Marlene Mattos, braço direito da apresentadora, defende a loura: "Se a Madonna mostra a filha, por que a Xuxa não pode? Ela é um ídolo, uma referência. Invade a casa das pessoas e tem um compromisso com o público." Marlene ensina que a senha para transitar no mundo dos holofotes é definir o que é ou não conveniente expor. Sobre as fofocas que volta e meia surgem sobre sua opção sexual, por exemplo, Xuxa nunca quis falar.

O que faz a vida dos curiosos bem mais cômoda hoje em dia é a infinidade de publicações, sites, talk shows e programas de auditórios que exploram a intimidade de celebridades e desconhecidos. Em busca de audiência, a mídia conseguiu eliminar a distância entre o anonimato e a fama, o público e o privado. No programa Erótica, da MTV, Pepeu Gomes fala sem constrangimentos sobre sexo grupal e Zezé Di Camargo revela o medo que tinha de transar com a mulher grávida. No quadro Intimidades, do Planeta Xuxa, Leonardo abaixa as calças e exibe a cueca para mulheres eufóricas. Isso é bom ou ruim? Numa pesquisa sobre qualidade de programação realizada pelo Ibope, a maio-ria dos entrevistados respondeu que esperava da mídia entretenimento e informação, nessa ordem. "Para o público, entretenimento significa, entre outras coisas, ver gente famosa falando coisa interessante. A telenovela sempre fez sucesso porque expõe detalhes da vida alheia, mesmo na ficção", afirma Flávio Ferrari, diretor de mídia do Ibope.

A espontaneidade com que as pessoas falam de suas vidas e a naturalidade com que o público encara essas revelações são também consequência da abertura sexual e da cultura de consumo. Experiências íntimas hoje também são descartáveis. A questão é saber até onde isso pode levar. "A banalização dos aspectos mais sensíveis do homem tem provocado uma superficialidade nos relacionamentos. Exibir o que se tem e o que se faz torna-se mais importante do que o empenho em construir uma riqueza interior", conclui a psicanalista Maria Teresa Maldonado.