A cada três dias, um homossexual é assassinado no País. Embora seja contra a violência, o secretário-geral da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis, o baiano Cláudio Nascimento, 28 anos, está prestes a ingressar numa academia de jiu-jítsu. "É para o caso de ser atacado na rua quando estiver sozinho", avisa. À frente de 90 entidades do movimento gay e com o apoio do Ministério da Justiça, Nascimento prepara campanha nacional de combate à violência se-xual. Torce também pela aprovação, ainda no ano 2000, da lei que pune atos de discriminação contra os gays e da que regulamenta a união de casais homossexuais. Nesta entrevista, Nascimento cobra a punição dos skinheads que mataram o adestrador de cães Edson Néris da Silva, no centro de São Paulo, há duas semanas.

ISTOÉA violência dos skinheads contra os homossexuais é uma aberração ou reflete um sentimento da sociedade?
Cláudio Nascimento – Especificamente em relação aos skinheads, a maioria é formada por jovens de baixa renda, sem perspectivas culturais. A educação é falha, não corresponde aos sentimentos e às necessidades. Não há programas que envolvam o jovem com a ecologia, o esporte ou os trabalhos comunitários. Esses jovens perderam as referências e precisam fazer alguma coisa para ganhar visibilidade. E aí muitas vezes usam a agressão e a violência. Mas não podemos esquecer que, secularmente, a homofobia vem sendo sedimentada por segmentos da Igreja Católica e dos evangélicos, que incutem a idéia de anomalia e pecado. Direta ou indiretamente, a intolerância ajuda a incitar a violência.

ISTOÉ Existem números a respeito?
Nascimento – Nos últimos 12 anos foram catalogados 1.851 assassinatos devido à orientação sexual no Brasil, dos quais só 5% foram elucidados. Significa um homicídio a cada três dias. Como os dados foram coletados a partir de notícias de jornal e, além disso, boa parte dos amigos das vítimas não faz a denúncia temendo represália, o número real de assassinatos deve ser o triplo.

ISTOÉComo se defender?
Nascimento – Não vamos incitar ninguém a agir com violência. Nossa resposta precisa ser dentro da lei e de acordo com um ponto de vista democrático. Mas estou fazendo musculação e vou aprender jiu-jítsu para me defender numa situação de agressão em que esteja sozinho e precise reagir.

ISTOÉVocê não teme ser recebido com hostilidade na academia de jiu-jítsu?
Nascimento – Se acontecer, vou denunciar. E se a academia não me aceitar, ela será fechada. Aqui no Rio existe lei que pune atos de discriminação por opção sexual em estabelecimentos comerciais. No País, temos já 76 municípios com leis semelhantes.

ISTOÉO preconceito é maior em São Paulo ou no Rio de Janeiro?
Nascimento – Os cariocas foram responsáveis por 35% das denúncias que recebemos em 1999, contra 20% dos paulistas. Desde que inauguramos o serviço Disque Denúncia no Rio para registrar a violência contra homossexuais, em julho do ano passado, houve 270 reclamações. Destas, 18% eram casos de discriminação no trabalho, escola ou dentro de casa. Apenas 10% referiam-se a extorsão ou chantagem e 75% dos casos eram contra homossexuais masculinos – 12% referiam-se a lésbicas e 10% diziam respeito a travestis.

ISTOÉSignifica que o homem homossexual carrega o fardo mais pesado?
Nascimento – Talvez a lésbica tenha dificuldade de se expor e denunciar a violência, porque é duplamente discriminada por ser mulher e homossexual. Isso se reflete até dentro do movimento: os postos de comando da comunidade gay são quase sempre ocupados por homens.

ISTOÉQuer dizer que o preconceito também está instalado no movimento?
Nascimento – É uma questão de educação. Desde pequeno, como homem, fui incitado a atuar como protagonista, brigando por meus direitos. A mulher é ensinada a ser frágil e submissa. Isso gera uma cultura da impotência e esses aspectos culturais influenciam o processo de mobilização de qualquer segmento social.

ISTOÉQuando você assumiu a identidade sexual?
Nascimento – Até os 18 anos, não assumia. Aos 14 anos, participava do movimento estudantil e, quando sentia desejo por outro homem, reprimia automaticamente. Logo após a primeira experiência, vivi um momento de alegria e felicidade, mas duas semanas depois tentei o suicídio pela primeira vez – entre os 18 e 19 anos, tentei me matar duas vezes. Me senti frágil, veio uma depressão muito forte.

ISTOÉNo movimento estudantil também há preconceito em relação à opção sexual?
Nascimento – Dizer que não, seria fantasiar. A esquerda afirma que é preciso não pular etapas na transformação social. Primeiro, temos de resolver a questão econômica e só depois encarar os problemas culturais, o que considero um erro. Esta é uma crítica construtiva – sou do PT desde 1987. Não tive espaço para assumir a homossexualidade no movimento estudantil porque havia um ambiente moralista que inibia a discussão sobre o sexo.

ISTOÉPor que a comunidade gay tem forte tendência a criar guetos? Os locais de lazer são quase sempre frequentados exclusivamente por homossexuais.
Nascimento – Na verdade, o Brasil é um gueto, onde os homossexuais não podem expressar publicamente seu afeto. Heterossexuais, ao contrário, manifestam carinho livremente em relação às namoradas ou esposas. Boates e bares gays são fundamentais para os homossexuais que ainda não se assumiram, por falta de espaço na família ou entre os amigos. É um lugar onde eles conhecem seus pares, trocam informações. Mas cada vez mais heterossexuais querem conhecer nossas boates e a gente defende que os espaços estejam abertos para todos.

ISTOÉMuitos gays acreditam que, no fundo, todos os homens são homossexuais. A diferença é que alguns assumiram e outros ainda não descobriram a realidade. Não é um preconceito às avessas?
Nascimento – Não compartilho da idéia de que todo mundo é gay. Há espaço para todas as formas de sexualidade. Gays, lésbicas e travestis querem apenas garantir seu lugar dentro dessa pluralidade.