23/02/2000 - 10:00
O deputado Robson Tuma (PFL-SP) parece ter tomado para si a estrela de xerife que já pertenceu a seu pai, o senador Romeu Tuma (PFL-SP). Sub-relator das CPIs do Narcotráfico e dos Medicamentos, Tuminha, como é chamado pelos amigos, tem conquistado notoriedade pela inquietude com que trata as investigações sobre o crime organizado. Uma inquietude que já despertou a ira de muita gente, inclusive a da Ordem dos Advogados do Brasil, que acusa a CPI do Narcotráfico de exageros e desrespeito aos depoentes, no que se refere aos direitos e garantias individuais. Tuminha nega os exageros e assegura que irá fundo em todas as frentes, mesmo que isso lhe custe novas animosidades. "Já cassamos colegas deputados estaduais e federais e outros deverão perder o cargo, mas isso faz parte e a punição não deve ser apenas política. Precisamos é chegar aos verdadeiros financiadores do crime organizado no Brasil", afirma. Para isso, o parlamentar não se intimida em buscar informações dentro da própria bandidagem. "Se quebrarem meu sigilo telefônico certamente não encontrarão apenas conversas com anjos, mas assim chegarei aos chefões", diz, salientando que todas essas conversas são conhecidas por seus companheiros de CPIs.
Em entrevista concedida a ISTOÉ, o deputado relata o empenho em descobrir os verdadeiros financiadores do crime, explica que é mais danoso para a sociedade a venda de remédios falsos do que o tráfico de drogas e conta que na CPI dos Medicamentos sofre muito mais pressões do que nas investigações sobre traficantes de cocaína e de armas. A seguir, a entrevista de Robson Tuma.
Pressões existem de todos os lados. Isso é natural, mas o que me tem chamado a atenção é que na CPI do Crime Organizado estamos lidando com bandidos, traficantes de drogas e armas. Na CPI dos Medicamentos estamos discutindo com grandes empresários. E, por mais incrível que pareça, as pressões são muito maio-res na CPI dos Medicamentos do que nas investigações do tráfico.
Conseguimos quebrar os sigilos bancário, telefônico e fiscal daqueles que acabaram se tornando investigados pela CPI do crime organizado com extrema facilidade, inclusive de deputados estaduais e federais. Não houve a menor resistência. Na CPI dos Medicamentos a coisa é muito diferente. Foram necessárias várias semanas de discussões até se obter um resultado concreto, que ainda não aconteceu em casos importantes.
É provável. Mas acredito que todos os parlamentares da CPI estejam com a mesma disposição que eu para se chegar a resultados concretos. Mas é preciso muita coragem.
Não, como vocês podem verificar em minha contabilidade. No entanto, mesmo que tivesse recebido, isso não iria inibir minha atuação.
Se você quer apurar se um medicamento é vendido com lucro excessivo ou se um laboratório está sonegando, só tem uma maneira. Precisa quebrar o sigilo fiscal e fazer um cruzamento com o sigilo bancário. Não adianta ficar discutindo o preço dos medicamentos em cima das planilhas apresentadas. É o mesmo que se perguntar a um traficante se ele vende cocaína. Ele vai dizer que não. Se você perguntar a um empresário inescrupuloso se ele está superfaturando seus remédios, ele vai dizer que não. Ninguém declara ao Fisco aquilo que o incrimina, ninguém fala que tem caixa dois, mas o dinheiro fica em algum banco.
Há um momento em que as duas investigações se completam. Não vamos nos esquecer de que a CPI do Narcotráfico ganhou fôlego com o depoimento de um motorista que participava de um esquema de roubo de cargas, inclusive carga de medicamentos.
É evidente que a máfia que atua com os remédios, no que se refere a roubo e distribuição de produtos falsificados, está organizada. Esse crime não se consolida sem uma estrutura. Na prática, então, as duas investigações se misturam muito. Uma quadrilha rouba um caminhão com carga de remédio. Esse caminhão é levado para a fronteira e vendido. Metade é pago em dinheiro e a outra metade é pago em cocaína, que acabará sendo distribuída por traficantes. E os remédios roubados vão parar em alguma distribuidora que os coloca no mercado. Isso acontece com frequência.
Não tenha dúvida. Nos roubos de cargas os remédios são mais procurados do que os cigarros. Quando colocam as mãos em uma carga de cigarros, os bandidos podem fazer milhares de reais. Em uma carga de medicamentos esse valor pode chegar a milhões. E há ainda mais uma vantagem no roubo de medicamentos: a cumplicidade para a distribuição da carga é enorme e tem ares de absoluta legalidade. Não desperta suspeitas.
Os medicamentos devem conter o número do lote. A distribuidora, quando entrega o produto nas farmácias, é obrigada a fazer constar os números desses lotes nas notas fiscais. No entanto, o próprio presidente da associação das farmácias admite que em 90% dos casos essas notas são entregues sem os números e nem os próprios farmacêuticos reclamam. Isso facilita a ação dos criminosos. Afinal, o farmacêutico está vendendo um produto que não sabe se foi roubado ou até falsificado, principalmente quando o próprio presidente da entidade deles compra produtos de distribuidoras que foram interditadas por trabalhar com remédios falsos e de laboratórios irregulares.
É possível afirmar que 90% das farmácias não sabem a origem do que estão vendendo.
Não se trata de ser mais fácil ou mais difícil. O problema é que a falsificação e venda desses remédios é muito mais perversa para a sociedade do que o tráfico de drogas.
Exatamente. Veja bem: o sujeito que vai comprar a cocaína sabe exatamente o que está procurando. Já o sujeito que acaba consumindo um remédio falso está completamente inocente. Ele vai à farmácia para buscar se curar de algum problema e acaba vítima desses criminosos.
Acho que a CPI do Narcotráfico já trouxe grandes avanços. A sociedade participou, fez denúncias e nós já cassamos deputados estaduais e federais e conseguimos desfazer alguns esquemas montados por chefes de polícia em vários Estados. Portanto, não acho justo dizer que essa CPI não vai a lugar nenhum, mesmo porque já prendeu muita gente e ainda está investigando diversas pessoas.
Você só consegue acabar efetivamente com alguma ação, seja criminosa ou não, quando consegue acabar com os financiadores daquela ação. Do contrário, podem até mudar os atores, mas o enredo continuará o mesmo.
Estamos colhendo subsídios para isso através das transações financeiras. Assim poderemos descobrir quem são os lavadores desse dinheiro sujo. Estamos atuando no sentido inverso do que sempre foi feito no Brasil. Agora queremos os chefões, aqueles que ganham o dinheiro com o serviço sujo.
É simples. Não quero mais saber quem está entregando o dinheiro para ser lavado. Esses nós já conhecemos. Quero descobrir quem financiou esse cara para comprar e distribuir o primeiro quilo de cocaína, quem bancou a formação da quadrilha.
É um trabalho demorado. Mas estamos conseguindo alguns avanços. Quebramos o sigilo de várias casas de câmbio acusadas no esquema. Para descobrirmos os esquema todo, porém, é preciso um intercâmbio com as polícias de fora. No mínimo a CPI irá preparar o terreno para que medidas concretas possam ser tomadas tanto pelo Legislativo quanto pelo Executivo e pelo Judiciário. Além de punir os criminosos, temos de mudar os mecanismos que facilitam a formação dessas quadrilhas.
A partir do momento em que você abre todos os caminhos para se fazer uma lavagem de dinheiro sem deixar manchas, você obviamente enche os olhos daqueles que precisam lavar dinheiro. O Brasil tem essas condições claramente visíveis.
Não vejo por esse lado. A Justiça é o pêndulo da sociedade. Decisão da Justiça não se discute, se cumpre. Agora esquemas corruptos existem em todos os poderes. Já sabemos de juízes que fazem parte de esquemas. Esses serão citados no relatório final. Declinar seus nomes agora seria atrapalhar as investigações.
Isso não é verdade. A sociedade de Campinas apoiou a CPI e manifestou isso nas ruas. As pessoas aplaudiam a cada prisão. Isso porque muitos sabem que se tratam efetivamente de pessoas ligadas ao crime, mas que nunca tinham sido punidas. Não se pode confundir autoridade com exageros e se houve algum com certeza deveu-se à falta de controle na revolta dos justos
Não diria mais ou menos acanhada. Acho que essas coisas são mais ou menos expostas. O Congresso é muito mais exposto, então qualquer acusação contra algum de seus membros exige uma resposta imediata. Cabe à sociedade cobrar dos outros poderes a mesma agilidade mostrada no Legislativo.
Sempre que existe uma ação, há uma reação. Tem que se tomar muito cuidado, por que quem está investigando, fica sujeito a sofrer ataques que podem vir do próprio investigado. O que não significa que o caso não deva ser apurado. Deve sim, e com rigor. Se o deputado for culpado, deve ser punido como os demais e para isso foi rapidamente criada uma subcomissão para analisar o caso.
Sim. Vários projetos de lei são formulados a partir das próprias investigações, como por exemplo o que proíbe os diretores de empresas públicas privatizadas de se manterem nos cargos e a lei que possibilita a negociação para a redução de penas daqueles que ajudarem as autoridades a desvendarem crimes do colarinho-branco.