O Supremo Tribunal Federal (STF) vai receber nesta segunda-feira 14 uma farta documentação que pode pôr a pique o mandato do senador Luiz Otávio Oliveira Campos, do Pará, que está sem partido. No comando da Rodomar, uma empresa familiar especializada em transporte fluvial, Luiz Otávio coordenou uma fraude que desviou US$ 13 milhões dos cofres do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômicos e Social (BNDES). O dinheiro deveria ter financiado a construção de 13 balsas para incrementar o transporte fluvial na região. Deveria, porque a Rodomar, em conluio com o Estaleiro da Bacia Amazônica (Ebal), recebeu a fortuna e não construiu nada. Quatro funcionários do Banco do Brasil, instituição responsável pelos repasses do dinheiro e pela fiscalização da empreitada, deram cobertura aos desvios. O esquema fraudulento, que funcionou em 1992, acaba de ser desvendado pelo delegado Anderson Rui Fontel, da Polícia Federal, após três anos de investigações. No dia 29 de dezembro do ano passado, Rui Fontel concluiu sua apuração e enviou a papelada para o procurador da República Felício Pontes Júnior, responsável pelo caso. Como não tem competência legal para processar senadores, o procurador enviou a acusação à 5a Vara Federal do Pará, cujo juiz, Valdo Fernandes Filho, também impedido de julgar parlamentares, repassou o pedido de abertura de processo ao Supremo Tribunal Federal. O julgamento definitivo de Luiz Otávio só ocorrerá se o Senado autorizar.

A fraude do senador paraense – um militar da reserva que gosta de exibir no peito medalhas da Marinha, do Exército e da Aeronáutica – mostra uma sofisticação que não é típica dos marinheiros de primeira viagem. Em meio a uma grave crise financeira, em 1992, a Rodomar usou bons contatos para obter um gordo financiamento do BNDES e usar recursos do Finame (fundo destinado à construção de máquinas e equipamentos) na fabricação de 13 balsas de grande porte, cada uma delas pesando mil toneladas. O dinheiro, entretanto, passaria pelas contas da Ebal, empresa ligada aos irmãos André Moraes Gueiros e Paulo Érico Moraes Gueiros, filhos do ex-governador paraense Hélio Gueiros. Detalhe: naquele ano, Luiz Otávio era candidato a vereador em Belém e havia acabado de deixar o cargo de secretário estadual de Transportes, justamente no governo de Gueiros. A cumplicidade entre as duas empresas – Rodomar e Ebal – era patente, segundo o relatório do delegado Rui Fontel.

Feito o acordo de cavalheiros entre Luiz Otávio e os irmãos Gueiros, só faltava obter colaboração no Banco do Brasil para que a fiscalização fosse burlada e o dinheiro não deixasse de ser liberado. Aí entraram os funcionários Manoel Imbiriba e José Roberto Lobão da Costa, da agência Canudos do BB, que ofereceram facilidades para liberar o dinheiro. Ainda no banco, Ênio Erasmo da Costa Alves e Lauro da Costa Nery Filho assinaram relatório de acompanhamento do projeto atestando a construção das 13 embarcações, o que nunca aconteceu. Foram todos indiciados no inquérito policial e estão em maus lençóis. A conivência dos funcionários permitiu que a Rodomar tivesse um êxito estrondoso na operação. A empresa do senador Luiz Otávio limitou-se a pintar algumas balsas velhas para embromar a supervisão do BB e pronto, levou embora US$ 13 milhões do BNDES. Dinheiro público tirado do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) que, habitualmente, financia empresas a juros subsidiados. No caso da Rodomar, hoje uma empresa falida, o dinheiro deixou de proteger o trabalhador desempregado, não financiou um projeto empresarial sério e serviu apenas para um dos mais ousados atos de gatunagem dos últimos tempos no País. Procurado por ISTOÉ, o senador Luiz Otávio usou o ataque como sua melhor defesa. "Isso é coisa dos meus adversários políticos no Pará. Eu nem sequer fui procurado para responder às acusações e não sabia que havia uma investigação da polícia sobre esse assunto", despistou o senador.

Na verdade, o procurador Ubiratan Cazetta, que cuidava do caso antes de Felício Pontes Júnior e foi quem quebrou o sigilo bancário das empresas e dos executivos envolvidos no esquema, afirma ter tentado ouvir formalmente Luiz Otávio por duas vezes. O senador simplesmente não respondeu às citações. Cazetta havia pego o caso em substituição a um outro procurador, José Augusto Potiguar, um colega de mais tempo na profissão, que também exerce a função de advogado particular e não havia conseguido avançar com o processo. Curioso é que o sogro do senador, o empresário Alfredo Rodrigues Cabral, presidente do grupo Rodomar, não só depôs na Procuradoria da República como também apontou o genro como responsável, na qualidade de gerente, pelos negócios da empresa. "Realmente, eu era o responsável pelo setor, mas desconheço essa fraude. Eu não quero fazer acusações contra meu sogro", esquiva-se o ex-empresário e senador. Luiz Otávio, é um parlamentar sem expressão no Senado, que ficou conhecido nos últimos meses por sua impressionante ambição. Sem legenda no Pará, depois que rompeu com o PPB, Luiz Otávio se ofereceu ao presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen, para filiar-se ao partido. Mas impôs uma condição: queria a liderança do PFL no Senado. Bornhausen não levou a proposta a sério e Luiz Otávio continua sem partido. Mas o senador correu para a sombra do presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, principal cacique do PFL, na expectativa de que apareça um lugar ao sol.

Luiz Otávio teve uma carreira política impressionante. Começou sendo secretário de Transportes no final do governo Hélio Gueiros, quando foi acusado pelo MP de cobrar 50% de comissão para liberar pagamentos da Secretaria. Numa operação triangular, a propina era depositada numa conta no Banco do Estado do Pará e depois transferida para a Rodomar. Com a eleição de Jader Barbalho para o governo, os empresários se arrependeram da negociata com Luiz Otávio e tentaram, sem êxito, sustar os cheques. Denunciaram o pagamento de propina ao Ministério Público que, depois de quebrar o sigilo bancário da Rodomar, encontrou os depósitos nas contas da empresa.

Imunidade
Na época, Luiz Otávio chegou a ser preso. "No governo do Pará, o Jader me perseguiu, mandou me prender e fez de tudo para levar a Rodomar à falência", defende-se o senador. Em 1992, ele se elegeu vereador em Belém. Dois anos depois, Luiz Otávio conseguiu se eleger deputado estadual. Em 1998, numa campanha acirrada, derrotou na reta final a candidata petista Ana Júlia. Assim, conseguiu emendar um mandato em outro, garantindo a imunidade parlamentar. Primeiro, protegeu-se, entre outras coisas, do processo por cobrança de propinas que tramita no Tribunal de Justiça. E agora, pode servir para que ele não seja processado pela fraude com recursos do BNDES. Com encomendas de 13 balsas a serem entregues, de acordo com o contrato, em dois meses, o estaleiro Ebal não tinha nem tem capacidade para construir as embarcações contratadas. Mas a empresa nunca teve intenção de cumprir o contrato. O Ministério Público concluiu que nem sequer chegou a ser comprado o aço necessário para o empreendimento. Além de indiciar todos os envolvidos no escândalo, a Polícia Federal vai tentar desvendar agora o que coube para cada um na partilha dos US$ 13 milhões emprestados pelo BNDES.