Passados dois anos desde que o Ministério Público Federal abriu inquérito para apurar os responsáveis pelo esquema de fraude na elaboração, emissão e negociação de títulos públicos, que ficou conhecido como escândalo dos precatórios, todos os indícios apontam para mais um caso que terminará em pizza. A julgar pelos caminhos tortuosos a que vêm sendo submetidos os processos, é pouco provável que os culpados pelo golpe que levou à emissão de R$ 3 bilhões (em valores atuais) em títulos públicos paguem pelo crime. Contrariando uma determinação anterior sua, o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, fez no dia 14 de janeiro uma curiosa reclamação ao Supremo Tribunal Federal. Ele pede que uma ação penal em andamento no Rio de Janeiro e um inquérito criminal na Justiça de Pernambuco sejam avaliados pelo STF. Caso o Supremo acate seu pedido, o escândalo dos precatórios poderá arrastar-se durante anos.

Em 25 de outubro de 1999, o Ministério Público no Rio ofereceu denúncia contra oito pessoas, entre eles Fabio Nahoum e Ronaldo Ganon, sócios do Banco Vetor, e Wagner Ramos, ex-assessor do secretário da Fazenda do Município de São Paulo. São eles os principais responsáveis pela engenharia financeira que resultou na obtenção fraudulenta de autorização para a emissão de títulos para o pagamento de dívidas estaduais. A denúncia, que inclui um diretor do Bradesco, resultou numa ação penal que corre na 1ª Vara Federal do Rio.

Paralelamente, desenrola-se na 7ª Vara Criminal do Recife um inquérito que apura a responsabilidade do ex-governador Miguel Arraes e seu neto, Eduardo Campos, secretário de Fazenda à época do escândalo. Dos R$ 480 milhões emitidos para Pernambuco, apenas R$ 234 mil destinavam-se a precatórios alimentares. "Não havia um único precatório que justificasse a emissão de título. Foi uma fraude de A a Z", acusa o senador Roberto Requião (PMDB). Brindeiro, no entanto, alegando uma conexão entre as possíveis infrações penais e seus supostos agentes, solicitou ao STF que suspendesse e avocasse a ação penal que se desenvolve no Rio e o inquérito que tramita no Recife. Segundo informações prestadas pelo juiz Júlio Emílio Mansur, da 1ª Vara Criminal Federal do Rio, ao STF, "demonstra-se inviável o processamento conjunto de uma ação penal em pleno andamento e um inquérito policial onde nem sequer foi oferecida denúncia".

No Ministério Público do Rio todos querem saber que motivos teriam levado o pernambucano Brindeiro a pedir a suspensão da ação penal que corria no Rio, sede do Banco Vetor e das demais instituições envolvidas, para juntá-la a um inquérito numa vara criminal de Pernambuco. Para justificar seu pedido, Brindeiro alega que a ação na Justiça do Rio tem "relação intrínseca" com o inquérito que apura a emissão e negociação de precatórios de Pernambuco. Mas por que ele faz referência somente a esse Estado, ignorando as fraudes que ocorreram em outros municípios (São Paulo, por exemplo), e Estados (Santa Catarina e Alagoas)? Procurado por ISTOÉ, Brindeiro não se pronunciou.

Em sua reclamação, Brindeiro alega ainda que só o STF teria competência para analisar o caso, já que Eduardo Campos é deputado federal e, portanto, deve ser julgado em foro especial. Só que Campos não aparece como réu na ação penal da 1ª Vara do Rio, portanto não haveria necessidade de a ação ser julgada no STF. Todos esses fatos soam co-mo estranhos aos procuradores Arthur Gueiros e Raquel Branquinho, que assinaram a denúncia contra os responsáveis pela fraude. "Pedimos ao procurador-geral que desista da reclamação ajuizada no STF, sob pena de grande prejuízo ao interesse público", afirma Gueiros.