Os minutos finais da nona regata da Louis Vuitton Cup, em Auckland, Nova Zelândia, no domingo 6, despertaram a curiosidade dos telespectadores que acompanhavam a prova em todo o mundo. A melhor de nove regatas, disputada entre os barcos America One, dos Estados Unidos, e o italiano Luna Rossa, da equipe Prada, estava empatada em quatro a quatro. O Luna liderava na reta final e alguns dos 16 componentes da tripulação explodiram de alegria no convés, a 100 metros da chegada. Levados de volta ao trabalho pelo alerta educado de um dos tripulantes, cruzaram a linha de chegada 39 segundos antes do adversário, cravaram os 5 a 4 e fizeram uma festa ainda maior. Com a vitória confirmada, o dono da voz da razão que recolheu os amigos, o brasileiro Torben Grael, pegou sua garrafa de cham-panhe e saiu para o abraço. Torben, campeão olímpico da Classe Star em Atlanta, é o tático da equipe, o braço direito que passa informações para o comandante Francesco de Angelis (leia entrevista). Foi ele o principal criador da estratégia que tirou pela primeira vez os americanos da final.

A Louis Vuitton Cup é a semifinal que define a decisão da Ame-rica’s Cup, a mais antiga e importante prova de iatismo do planeta. Tudo começou em 1851, num desafio de comandantes ingleses ao iate America, para uma corrida em torno de uma ilha ao Sul da Inglaterra. Nesses 149 anos, os barcos dos EUA foram derrotados apenas duas vezes, nas finais. Em 1983, perderam para os australianos. Na última edição, em 1995, levaram uma surra de 5 a 0 do barco neozelandês Black Magic em pleno mar da Califórnia. Agora, o Black Magic irá defender o título contra o Luna a partir do próximo dia 19, também em Auckland, em outra melhor de nove. "Eles são uma incógnita para nós. Não treinaram com qualquer desafiante", revela Torben. "Competi ao lado deles em outras ocasiões. São excelentes velejadores e trabalham juntos há dez anos. Será parada duríssima", completa.

A America’s Cup é disputada a cada quatro anos (os neozelandeses pediram mais um ano para fazer a prova em 2000). As regatas envolvem três trechos de ida e volta com 3,18 milhas náuticas, cerca de 5,9 quilômetros. Duram em média duas horas e meia, com largadas no contravento e chegadas a força total. As eliminatórias envolvem dois concorrentes. A equipe que vence todos os desafian-tes enfrenta o último campeão, no território do adversário. Se o Luna Rossa vencer, levará a Copa para Nápoles. Os barcos, pérolas da tecnologia atingem velocidade de 18 nós, ou 33,3 quilômetros por hora.

O Luna Rossa chegou a fazer 3 a 1. O America One empatou em 3 a 3. Na sétima regata, Torben abandonou o estilo cauteloso e tentou levar os adversários a faltas e punições. Não deu certo e o barco do comandante americano Paul Cayard fez 4 a 3. A tripulação do Prada não se desesperou. Após uma reunião, seguida de doses de uísque, Torben, de forma brilhante, organizou estraté-gias conservadoras e virou a parada. O empate veio com apenas nove segundos de diferença. No ponto cinco, as orientações de Torben transformaram os três segundos de vantagem da largada em 39 segundos no final. Os italianos confiam neste brilhantismo para verem o Luna Rossa, a fera do mar, nas águas esverdeadas do Mediterrâneo.

"Jamais perdemos a confiança"

Torben Grael foi entrevistado duas vezes por ISTOÉ. No primeiro contato, após a derrota que empatou o match em 3 a 3, estava sério, mas calmo como sempre. "Precisamos de dois pontos. Estamos na mesma situação." No segundo, feito na terça-feira 8 e reproduzido abaixo, o iatista estava exausto, mas feliz com a vitória.

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ISTOÉ – Os americanos fizeram 4 a 3. Vocês chegaram a temer o pior?
Torben Grael – Jamais perdemos a confiança. Acho que tive papel importante. Além de cumprir a função de tático, passava confiança e explicava como poderíamos reagir.
ISTOÉ – Explique o papel do tático.
Torben -Ele é um braço direito que municia o comandante com informações estratégicas. Isso exige análises e conclusões constantes. Antecipo variações de direção e intensidade do vento em função da nossa posição e também da localização do adversário. Também antecipo os movimentos do adversário em relação ao Luna Rossa. Tudo isso é dinâmico, daí a complexidade. O tempo para tomar e implantar uma decisão é mínimo. Quatro Olimpíadas na bagagem ajudam muito. A equipe do Luna Rossa abriga 24 pessoas – 16 participam da regata e oito ficam na reserva. A tripulação é unida. Treinamos juntos há três anos e somos amigos fora do barco.
ISTOÉ – O Luna Rossa é a Ferrari dos mares?
Torben – Nossas cores são mais próximas da McLaren… É brincadeira. O Luna Rossa representa tudo o que há de mais avançado em tecnologia náutica. Mastro, retranca, roda de leme e outros detalhes são feitos em fibra de carbono. O design foi trabalhado em computadores e testado em tanques da Universidade de Roma. Alguns projetistas e engenheiros vieram mesmo da Ferrari. O interior é espartano, pois o peso é inversamente proporcional à performance. Não temos banheiro. Abaixo do convés, temos velas, material de reposição e equipamentos eletrônicos.
ISTOÉ – Você pensa em montar uma equipe brasileira?
Torben – Esses resultados me animam. O trabalho consumiria tempo e dinheiro, mas, a médio prazo, quem sabe?
ISTOÉ – Você acha que seu irmão, o iatista Lars Grael, que perdeu uma perna num acidente de barco em 1998, teria condições de participar de uma prova como a America’s Cup?
Torben – Sim. Ele é um dos melhores velejadores que o Brasil já teve e possui duas medalhas olímpicas. Nosso preparador físico tem uma prótese de perna semelhante à dele e veleja normalmente. Mas o trabalho que ele faz no Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto, o Indesp, tem sido elogiado. Sua importância para o futuro da vela no Brasil continua a mesma.


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