O senhor Lula era feirante em 1977 e vendia limão e laranja em sua barraca, em Vila da Penha, um subúrbio do Rio de Janeiro. No dia anterior à feira, ele passava horas ensacando sua mercadoria e contava com a ajuda de seus seis filhos – entre eles, a menina Teresa Cristina. Enquanto trabalhava, o senhor Lula ouvia os seus três discos de vinil: Gal Costa, Roberto Ribeiro e Candeia. Ele não sabia, e ninguém podia mesmo adivinhar, o quanto esse fato influenciaria o destino da filha, então com nove anos, e também teria influência na própria música popular brasileira. Aos 39 anos, a cantora e compositora é hoje saudada como uma das melhores surpresas dos últimos tempos e acaba de ser contratada pela multinacional EMI. Seu novo CD, Delicada, com o Grupo Semente, tem uma primeira tiragem de 10 mil cópias – uma ousadia para uma intérprete ainda desconhecida do grande público.

O impulso foi dado pelo CD do sambista Candeia, que voltou às suas mãos, casualmente, aos 25 anos. “Foi como um soco”, diz ela. “Candeia me ensinou a enxergar o valor da minha raça através de uma música lindíssima. Me estimulou.” Teresa Cristina não se lembra de tristeza por ter sido pobre, mas guarda a dor da discriminação por ser negra. “No Brasil, há racismo por baixo do tapete. Sofri muito nos colégios, vítima de preconceito. Me pegava rezando assim: Meu Deus, por que eu sou preta? Por que nasci assim se até o senhor é branco?” Hoje ela tem orgulho de sua raça e da musicalidade brasileira que “está no sangue”. Chamada de sambista, Teresa Cristina diz que “tudo bem”. E continua sendo influenciada pela umbanda: “Não toco instrumento, toco com marcação de palma. Tenho influência do terreiro. Mas o que eu desejo é continuar fazendo música brasileira, e não só a litorânea. Quero o Nordeste, Minas Gerais e o etc também.”

A faixa-título é a própria delicadeza: “Canto para amenizar a grande dor que me traz o sorriso de alguém”, diz ao abrir a canção com sua voz aveludada. A letra é dela e a música, uma bossa nova, é assinada por Zé Renato. O CD tem, também, canções de Caetano Veloso, Paulinho da Viola e, claro, Candeia. A menina que começou a trabalhar como manicure aos 13 anos, foi auxiliar de escritório e vendedora de margarina, agora é estudante de letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro e mora em Copacabana. Guarda alguns prêmios e a indicação ao Grammy Latino de melhor disco de samba de 2003. Ela se diz surpresa com o rumo da carreira: “Não achava que uma gravadora grande pudesse se interessar pelo meu trabalho.” A carreira começou com seus shows na Lapa (onde volta a se apresentar dia 29, no Circo Voador, antes de ir para a temporada paulistana). A partir daí, é pé na estrada porque tem muito Brasil ainda pela frente.