Empenhado em sua missão revolucionária, Ernesto Che Guevara embrenhou-se nas matas bolivianas em fins de 1966 com pouco mais de 50 guerrilheiros. Estava determinado a derrubar o governo da Bolívia e instalar um regime socialista, como fizera em Cuba. Enquanto a guerrilha lutava em terreno inóspito contra as tropas do general presidente René Barrientos, o embaixador americano Douglas Henderson acompanhava o conflito numa confortável sala do centro de La Paz. O intenso fluxo de informações sigilosas entre o diplomata, o governo da Bolívia e o governo dos Estados Unidos é uma fonte importante para entender o combate que mudou a história e culminou, em outubro de 1967, com a morte de Che. Os textos, na sua maioria desconhecidos do público, vêm agora à tona no livro Relatório da Cia – Che Guevara (Ediouro), com pesquisa, organização e notas do jornalista Maurício Dias e do pesquisador ítalo-argentino Mario Cereghino. São documentos oriundos do Departamento de Estado americano, da Biblioteca Lyndon Johnson e do National Arquives and Records Administration. Além dos aspectos históricos importantes, a obra dá novos subsídios para quem busca desvendar o mistério que completa quatro décadas no próximo mês: quem determinou a morte de Che Guevara?

Sabe-se que o sargento boliviano Mario Teran executou-o no início da tarde de 9 de outubro, em uma escola pública da aldeia La Higuera. Ali, Teran encarou Che com uma carabina M2 em punho e o mandou sentar. O prisioneiro, de mãos amarradas, manteve-se de pé e bradou: “Saiba que está matando um homem.” Em seguida, foi metralhado. Por uma versão bastante repetida, a ordem para matá-lo veio de La Paz. O agente da CIA Félix Rodriguez, com patente de capitão do Exército boliviano, era quem operava o sistema de comunicação naquele dia. Rodriguez disse em livro que tentou convencer o general Zenteno Anaya, comandante da 8ª Divisão de Exército, a manter vivo o líder guerrilheiro. Por essa versão, a CIA não teria participado diretamente da morte de Che. Tal argumentação é abalada por um documento agora relacionado no livro de Dias e Cereghino.

Relatório do Exército americano de novembro de 1967 revela que o comandante da 8ª Divisão não ordenou a execução: “Anteriormente, o coronel Zenteno havia deixado instruções precisas para que os prisioneiros fossem mantidos vivos. Os oficiais não sabiam de onde provinham as ordens (da execução), mas acreditavam que tivessem sido dadas pelos escalões mais altos do Exército.” Rodriguez, o agente da CIA, era o radioperador naquele dia. Possivelmente, teria sido ele o intermediário da ordem de execução que ninguém sabe de onde partiu. “São fortes elementos que permitem duvidar da versão de Rodriguez”, diz Maurício Dias. O jornalista, no entanto, alerta que a participação direta da agência de espionagem americana não pode ser dada como certa. “O mistério continua. É trabalho para os futuros historiadores”, diz.

Os documentos foram coletados por Cereghino. A organização do material e sua contextualização histórica ficaram a cargo de Dias. A maior parte dos documentos são telegramas do embaixador Henderson ao Departamento de Estado. Além das circunstâncias da morte do líder guerrilheiro, os textos iluminam outros pontos. É impressionante a forma servil como o governo boliviano se dirigia aos americanos para pedir armas e recursos.

O embaixador tratava essas reivindicações como “lista de Papai Noel”. Os documentos também indicam que a CIA agiu à revelia da Casa Branca, onde então pontificava o presidente Lyndon B. Johnson. A correspondência quebra a aura de eficiência dos espiões americanos, que demoraram a confirmar a presença de Che no país. Ele buscava uma alternativa para tirar Cuba e seu companheiro Fidel Castro do isolamento político, mesmo em condições desfavoráveis – foi traído logo que chegou e tinha contra si 320 soldados bem armados para cada guerrilheiro. Apesar disso, foi até o fim. “Mesmo para quem não concorda com suas idéias, Che encarna a idéia generosa da utopia”, afirma Dias. “Por isso, é lembrado até hoje.”