Ricardo Burgarelli e Luísa Horta – Programa de Exposições 2013/2014/Memorial Minas Gerais Vale, BH/ até 1º/12

Repercussões e omissões da imprensa em relação aos grandes eventos da história dão a tônica dos trabalhos de Ricardo Burgarelli e Luísa Horta, expostos no Programa de Exposições do Memorial Minas Gerais Vale. “América, Sacco e Vanzetti”, de Burgarelli, faz intervenções em reproduções de antigos jornais que tratavam da condenação à morte dos italianos Sacco e Vanzetti, nos EUA, nos anos 1920. “Me surpreendeu que o “Correio Mineiro” tenha publicado uma matéria favorável aos anarquistas, em um Estado tão conservador”, diz o artista de 23 anos, que desde 2010 desenvolve um trabalho sobre o valor testemunhal dos jornais. “Um dia, meu pai me disse que os dez dias que abalaram o mundo não abalaram Jaqueri, sua cidade. Isso me deu um estalo e fui buscar o impacto que a bomba de Hiroshima teve sobre os jornais mineiros.” O artista então pintou os “cogumelos atômicos” nas primeiras páginas dos jornais que não haviam noticiado o fato. O trabalho em exposição no Memorial Minas Gerais Vale também propõe uma revisão da história, com grifos em amarelo e inserção de histórias fictícias entre os fatos reais.

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JORNAL COMO SUPORTE
Obra de Burgarelli revê apuração do caso Sacco e Vanzetti

Realizado em parceria com Luísa Horta, “Guerra dos Perdidos” recorre a fragmentos de memórias guardadas em arquivos públicos estaduais, e outras fontes, para compor a narrativa visual de uma guerra que teria ocorrido em algum lugar de Minas Gerais, em algum momento do início do século XX. Com jornais, fotografias, objetos e citações de textos de artistas, filósofos e revolucionários como Pasolini, Breton e Hobsbawm, a instalação compõe os vestígios de uma guerra civil que nunca aconteceu. Entre as imagens, um retrato da artista Luísa Horta reencena a anarquista francesa Louise Michel. “O arquivo, por si só, é anacrônico e não hierárquico”, diz Burgarelli, que escreveu sua história não linear com influências do surrealismo à psicologia social.

Ao evocar ideologias e acontecimentos que se perderam, os trabalhos de Burgarelli e de Luísa tocam em questões da memória, mas também se conectam com o presente. Os registros do anarquismo e de eclosões sociais, presentes nos trabalhos, rebatem diretamente nas manifestações de junho de 2013 que reivindicaram alternativas antipolíticas para problemas sociais brasileiros. Este censo de atualidade dos trabalhos os coloca em sintonia com o projeto que o diretor Wagner Tameirão tem para o Memorial. “Faltava no Estado uma instituição que destinasse recursos de produção e incentivo ao artista jovem”, diz Tameirão. “Mais que um espaço dedicado às tradições da cultura mineira, este é um lugar de trânsito dessas manifestações com as pulsações mais atuais da arte e da cultura.”

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HISTÓRIA ANACRÔNICA
Líder anarquista é interpretada por Luísa Horta

No edifício de 1898, antiga Secretaria da Fazenda e hoje museu que integra o Circuito Cultural Praça da Liberdade, duas salas dedicadas ao programa se somam às dezenas de salas que contam histórias mineiras de forma multimídia. “A ideia é ativar o espaço e colocá-lo em diálogo com a cidade e suas manifestações”, diz Eduardo Jesus, coordenador do Programa de Exposições dedicado a artistas mineiros de até 30 anos. Na linha de frente da cultura contemporânea, o Memorial também criou um espaço para a exposição regular de performance, com curadoria do artista Marco Paulo Rolla.