A chance de escolher, antes do tratamento, o remédio mais eficiente e adequado às características de cada pessoa está se tornando realidade. A revolução será possível graças a um investimento sem precedentes da comunidade científica, dos governos e da indústria farmacêutica no setor de farmacogenômica, um dos mais novos da medicina. O objetivo é conhecer a relação entre as assinaturas genéticas e como elas interferem no processamento dos remédios pelo organismo. Ainda que pequenas modificações nos genes (estruturas que compõem o DNA) sejam comuns, elas têm impacto na maneira como o corpo responde às drogas. O esforço atual dos cientistas é encontrar as mudanças que influenciam essas reações e, dessa maneira, ajustar melhor as doses e escolher os remédios mais condizentes com cada indivíduo. É o que se chama de tratamento personalizado ou customizado.

Na verdade, desde a década de 1950 a medicina sabe que duas pessoas reagem de maneira diferente ao mesmo medicamento. Enquanto um paciente pode sentir intensos efeitos colaterais com baixas concentrações de determinada droga, outro necessita de doses maiores para ter resultados. Mas foi só depois do mapeamento do genoma humano, em 2000, que o estudo dessas reações ganhou mais força e recursos. Recentemente, o governo dos Estados Unidos liberou US$ 150 milhões para o desenvolvimento do setor.

Antenadas com a posição estratégica do tema, as grandes companhias farmacêuticas já pesquisam na área. Além disso, estão surgindo iniciativas como a Rede Nacional de Farmacogenética (Refargen), aqui no Brasil, da qual fazem parte 17 grupos ligados a centros de pesquisa e universidades. “Uma parte desses pesquisadores está envolvida em um estudo das características genéticas do povo brasileiro, que é muito miscigenado, para subsidiar a farmacogenética”, explica o cientista Guilherme Suarez-Kurtz, coordenador da Refargen.

Outro desafio é aplicar esses conhecimentos no dia-a-dia. Na prática, como isso será feito? De um lado, é preciso haver testes específicos. Pelo menos quatro grupos de exames já estão disponíveis para avaliar características do organismo que predizem reações a drogas usadas em quimioterapia. Um dos mais conhecidos analisa variações em um conjunto de enzimas do fígado, o CYP450. A análise de certas enzimas pertencentes a essa família, as CYP2D6, denuncia a disposição do corpo das pacientes de apresentar baixa resposta ao tamoxifeno, droga usada na terapia do câncer de mama. Mais um teste avalia a receptividade à herceptina, substância que só atua se a paciente tiver muitas cópias do gene Her2/Neu. Os dois exames já fazem parte da rotina contra os tumores de mama. “Ter essas informações antecipadamente ajuda os médicos a ajustar as doses e a evitar perigosos efeitos colaterais”, afirma o cientista Júlio Licínio, editor da publicação mais importante desse segmento, o Pharmacogenomics Journal (Ed. Nature Group). Outros tipos de CYP450 servem para antecipar o comportamento do organismo diante de cerca de 50% dos 100 medicamentos mais receitados nos Estados Unidos, como antidepressivos e anti-hipertensivos. E existe até um kit para examinar um segmento das CYP450 associado a 20% dos medicamentos indicados rotineiramente. Mas ainda que as alterações dessas enzimas tenham expressão populacional, atingindo cerca de 6% a 8% dos europeus e 20% dos sauditas, por exemplo, a aplicação dos exames que as avaliam é cara. O teste custa US$ 700, o equivalente a R$ 1,5 mil.

De todo modo, só a existência dos testes não basta. É necessário estudar sua aplicação em grande número de pacientes e checar se o ajuste de dose tem o desempenho esperado no tratamento. É nesse gênero de validação que muitas companhias farmacêuticas e cientistas estão trabalhando. No Rio de Janeiro, uma parceria entre o Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras e o Instituto Nacional do Câncer (InCa) investiga de que modo as variações genéticas de enzimas do fígado e do gene que determina a produção da vitamina K interferem na ação de uma medicação anticoagulante. “Estamos coletando dados no cotidiano do atendimento”, afirma Kurtz.

Os cientistas da farmacogenômica também se dedicam a procurar novos alvos para o desenvolvimento de drogas. “Primeiro achamos as variações na seqüência de genes para depois descobrir qual é a molécula que ela regula”, explica Fernando Soares, diretor de pesquisa do Hospital do Câncer A.C.Camargo, em São Paulo. Recentemente, pesquisadores do A.C. Camargo e do Instituto Ludwig de Pesquisa anunciaram a identificação de uma nova proteína presente em diversos tumores que vai inspirar trabalhos em busca de novos remédios. Esse é o caminho trilhado no mundo todo. Uma equipe formada por americanos e canadenses, por exemplo, analisa variações dos genes na região do DNA humano que determina as reações imunológicas. Daí se esperam novidades em remédios contra doenças auto-imunes, caracterizadas pelo ataque do sistema de defesa do organismo contra o próprio corpo. O objetivo é, uma vez mapeado o funcionamento desses genes, criar medicamentos que atuem unicamente sobre eles para corrigir o que for necessário. Ou seja, atirar no alvo.

US$ 150 milhões foram dados pelo governo
americano para pesquisa de drogas customizadas