Nos já longínquos anos 60, o repórter fotográfico escocês Harry Benson, do jornal Daily Express, foi tirado de uma missão jornalística cotidiana qualquer e abruptamente jogado no olho de um furacão histórico. Seu editor o mandou acompanhar uma banda de rock que alucinava a Inglaterra e o mundo em sua primeira turnê pelos Estados Unidos. O grupo chamava-se The Beatles, o ano era 1964 e aquela excursão marcou a definitiva invasão inglesa – e futuro domínio – do território americano. As fotos de Benson ilustrariam com brilho aqueles dias e ficariam marcadas para sempre na história do rock. Talvez o que o fotógrafo não soubesse é que o tipo de assunto, de tempos em tempos, passaria a ser uma tarefa para toda sua vida profissional, mesmo depois da separação do conjunto e até da morte de John Lennon. São estas imagens que o Newseum de Nova York (580, Madison Ave.) está exibindo até dia 4 de setembro, com entrada gratuita, paralelamente ao lançamento do livro homônimo The Beatles: now and then (Universe Pub). A mostra, contudo, é apenas uma das tampas do gigantesco baú dos Beatles, que não pára nunca de se abrir, sempre trazendo à tona fatos que, depois de espanado o pó, revelam, reciclam e traduzem novidades para fãs da velha e da nova geração.

São vários os acontecimentos. Mas o maior deles, além da exposição e do livro de Benson, é a comemoração dos 30 anos de lançamento do desenho animado Submarino amarelo (Yellow submarine), que em 14 de setembro invadirá as lojas de todo o mundo, lapidado em DVD, VHS e CD totalmente digitalizados. Quanto à trilha sonora será um álbum totalmente novo. O original tinha, de um lado, apenas seis canções dos Beatles e, do outro, temas orquestrados pelo produtor George Martin. Agora serão 15 faixas remasterizadas e, pela primeira vez na trajetória discográfica da banda, remixadas, ou seja, esculpidas pela tecnologia avançada dos estúdios. Entre elas, Lucy in the sky with diamonds, Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band e With a little help from my friends. A operação, com produção de Martin, foi supervisionada pelos três beatles remanescentes e aconteceu nos históricos estúdios Abbey Road, em Londres. Para chamar a atenção sobre o lançamento multimídia, vão pipocar eventos em várias partes do mundo. Em Liverpool, a prefeitura declarou feriado bancário na segunda-feira 30, dia do Yellow submarine. Por 24 horas, o centro da bem cuidada cidade portuária ao norte de Londres ficará amarelo em função da decoração. São esperados mais de 100 mil fãs de 35 países. Liverpool, que normalmente já respira Beatles em seus museus, bares e ruas com nomes de canções do grupo, será o quartel-general da festança que fará uma exibição pública do desenho animado cheio de referências lisérgicas.

Viagem – No Brasil, haverá uma promoção no Domingão do Faustão, da Rede Globo, que irá levar dois brasileiros a Liverpool, com estada de uma semana e garantia de um show no reconstruído Cavern Club – onde tudo começou – e visita aos estúdios Abbey Road. No dia 8 de setembro, o Eurostar, que sai de Londres e cruza o Canal da Mancha até Paris, ganhará desenho especial. Dezoito vagões de um dos trens serão decorados com cenas psicodélicas de Submarino amarelo. Naquele dia, a partida da estação de Waterloo será às 11h57 e a chegada à Gare du Nord às 15h56. Mas as festas não param por aí. Sob a produção de João Barone, baterista de Os Paralamas do Sucesso, e de Vinícius Sá, o canal pago Multishow levará ao ar em novembro um especial gravado em julho no Teatro da Lagoa, Rio de Janeiro, trazendo vários dos nomes mais estrelados da MPB cantando o quê? Beatles, é claro. "Foi uma operação muito delicada", conta Barone, lembrando que a renda da bilheteria reverteu para a ala infantil do Hospital do Câncer carioca. "Não queríamos um papel carbono, então fizemos uma pré-produção dos arranjos e fomos sugerindo aos artistas." Assim, Gilberto Gil ganhou Something em ritmo reggae. Cássia Eller e sua habitual energia deram outra vida ao meddley do lado b do álbum Abbey road. E o barão vermelho Roberto Frejat colocou gás na reinterpretação de Revolution. Depois da televisão, Barone quer transformar o projeto em CD e homevideo também com renda para o Hospital do Câncer.

Na esteira beatlemaníaca, mas num projeto comercial próprio, o guitarrista americano John Pizzarelli acaba de lançar um ótimo álbum – John Pizzarelli meets The Beatles – colocando sua voz cool-jazz em canções da linha de Can’t buy me love, Here comes the sun e Eleonor Rigby. Em Nova York, um assunto relativo ao grupo que virou o rock do avesso continua sendo notícia com a exposição de fotos de Harry Benson. Ao contrário do que se possa imaginar, elas não amarelaram com o tempo e ainda possibilitam grandes revelações. Quem se lembra das imagens dos Beatles em sua primeira fase em Hamburgo, ou no Cavern Club, e depois vê os registros clicados nos gloriosos tempos da beatlemania é capaz de pensar que se trata de dois conjuntos distintos. No início de carreira, os Fab Four vestiam suas fantasias de jovens comportados. Ao passo que durante a explosão comercial do começo da década de 60, John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr foram transformados nos quatro cavaleiros do alto-astral. É esta faceta aliada ao marketing – particularmente a viagem aos Estados Unidos –, que Benson mostra com maior intensidade no Newseum.

Espontaneidade – À época, o produto Beatles já estava empacotado de modo irresistível. É curioso notar que Benson foi incapaz de registrar um único lance de espontaneidade naqueles dias loucos. Não há o instantâneo revelador de angústia, dúvida ou até mesmo cansaço. Da guerra de travesseiros num quarto de hotel de Nova York ao encontro com o ex-Cassius Clay num ringue, percebe-se que tudo é uma grande coreografia. Desde a aparição dos Beatles em terras americanas, ainda sobre a escada do avião, até a primeira apresentação para todo o território nacional no show de televisão de Ed Sullivan, em 9 de fevereiro de 1964, o fotógrafo captou esta invasão inglesa de forma gloriosa, como se fosse a tomada da Normandia durante a Segunda Guerra Mundial.

Impressionado pelo brilho daquilo que reportava, Benson continuou atraído pela banda. Ele voltaria a focar suas objetivas nos quatro ao longo de várias metamorfoses. A tenacidade valeu a pena, pois nos anos seguintes foi possível captar um pouco de naturalidade. Lennon e McCartney trabalhando ao piano ou Ringo numa alegre explosão malhando sua bateria. Ao fim da exposição ou do livro, é impossível não ser envolvido por certa melancolia nostálgica, mesmo sabendo que todo este resgate à volta da roda da fortuna passa bem longe dos comuns mortais.

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