Viver só pode ser uma simples questão de opção. Nesse caso, a solidão é quase sempre uma boa aliada. Experimentar esses momentos funciona como um importante recurso para o autoconhecimento e a reflexão. Mas agora a ciência descobriu que em algumas pessoas o sentimento de isolamento pode ser um detonador de sérios problemas de saúde. Nesses indivíduos, os efeitos negativos da solidão parecem estar determinados já no DNA, o material genético de cada um. A afirmação está fundamentada em um estudo feito por pesquisadores da Universidade da Califórnia (EUA) e que acaba de ser divulgado. O trabalho mostrou que genes ligados ao sistema de defesa do corpo e a inflamações dos tecidos são mais ativos em pessoas solitárias. Essas constatações levaram os cientistas à conclusão de que pessoas isoladas socialmente são mais suscetíveis a doenças como infecções virais e males bastante associados a processos inflamatórios, entre eles enfermidades cardíacas e reumáticas.

A pesquisa envolveu 14 voluntários submetidos a testes para avaliar os níveis de interação social – por meio de um método de pontuação – e a exames que mostravam a atividade genética associada aos glóbulos brancos (células de defesa). Ficou demonstrado que genes ligados à produção de inflamações eram mais ativos nos pacientes solitários do que naqueles não-solitários. Também foi observado que outros genes, responsáveis pela produção de anticorpos (protetores do corpo), eram menos ativos nesses indivíduos. Os cientistas relataram que essas diferenças genéticas estavam especificamente ligadas ao fator social e não a questões como idade, peso ou riqueza. “Está confirmado que o isolamento social pode causar um impacto biológico importante porque compromete mecanismos fundamentais do organismo”, afirma Steven Cole, coordenador do estudo.

No entendimento dos pesquisadores, a solidão não é medida pela quantidade de pessoas que se conhece, mas pela qualidade das relações. “Devem existir vínculos afetivos profundos com espaço para confidências, para partilhar experiências comuns como sobre ter dormido bem ou não à noite, falar sobre um passeio ou uma viagem. Esse suporte social é fundamental”, afirma o psiquiatra Ricardo Moreno, coordenador do Grupo de Estudos de Doenças Afetivas do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC/SP).

A solidão que adoece é justamente aquela caracterizada pela ausência desses vínculos – e um sofrimento real por causa disso. “Nossa mente é capaz de mudar os mecanismos do corpo em milhares de aspectos. Se a pessoa percebe a situação de forma negativa, ocorrem alterações que repercutirão na saúde”, diz o neurofisiologista Luiz Eugênio Mello, da Universidade Federal de São Paulo. As mudanças começam no cérebro, com desequilíbrios na produção de substâncias importantes associadas ao processamento das emoções. Também são atingidos os sistemas de defesa do corpo e os mecanismos que regulam as inflamações, como mostrou o estudo americano.

Mas os especialistas afirmam que é possível intervir antes que a solidão resulte em problemas de saúde crônicos. Alguns sintomas como tristeza, alteração no sono, perda ou excesso de apetite são indícios de que o isolamento já oferece riscos. “Essas manifestações podem vir acompanhadas de desleixo pessoal e negligência às obrigações e aos compromissos”, afirma o psiquiatra Moreno, do HC/SP. Para o especialista, reconhecer esses sinais e buscar ajuda é o primeiro passo para uma vida melhor.

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