PRESSÃO 25 anos depois da guerra, Kirchner quer forçar discussão sobre
o futuro das Malvinas

Vinte e cinco anos depois da Guerra das Malvinas, a Argentina revive os sobressaltos do que talvez tenha sido um dos maiores traumas históricos de um país maculado por tragédias políticas. Mesmo depois de tanto tempo, o mote “as Malvinas são argentinas” continua a embalar os sonhos dos habitantes do país vizinho. Agora, de olho na eleição presidencial de outubro, o presidente Néstor Kirchner lançou uma ofensiva diplomática para pressionar o Reino Unido a, pelo menos, discutir o futuro do arquipélago, que a “pérfida Albion” insiste em chamar de Falklands. Uma pesquisa da agência OPSM revelou que o presidente está em sintonia com os sentimentos da nação: a maioria dos argentinos (73,1%) considera “importante” ou “muito importante” a recuperação das Malvinas, em comparação com outros problemas como segurança, desemprego e inflação. Em compensação, 76,1% acham que a ocupação das ilhas pelos militares em abril de 1982 foi um grave erro. Curiosamente, o presidente argentino foi o grande ausente nas comemorações oficiais pelo 25º aniversário da invasão do arquipélago realizadas na cidade de Ushia, capital da Província da Terra do Fogo. Políticos da oposição juraram que Kirchner faltou à cerimônia para evitar enfrentar protestos dos professores da rede de ensino público da Patagônia. A ofensiva de Kirchner começou com uma retaliação econômica contra o Reino Unido – a suspensão de um tratado de 1995 que previa a cooperação anglo-argentina para a exportação de gás e petróleo da plataforma marítima do arquipélago. O governo Kirchner também ameaçou impedir as empresas petrolíferas que operam nas ilhas de atuar na plataforma continental argentina. A “firmeza” das posições da Casa Rosada – nas palavras do chanceler Jorge Taiana – foi interpretada como um gesto belicoso pelo governo de Sua Majestade Britânica: “Há o temor de que a invasão argentina possa ocorrer novamente”, advertiu recentemente Alan Huckle, governador das Falklands. “Estamos aqui para evitar qualquer agressão”, disse o brigadeiro Nick Davies, comandante das forças britânicas nas ilhas. A invasão das Malvinas foi ordenada no dia 2 de abril de 1982 pelo general Leopoldo Fortunato Galtieri, um fanfarrão que se tornou chefe da Junta Militar que governava a Argentina. A ditadura implantada a ferro e fogo em 1976, que exterminou quase 30 mil oposicionistas em nome do combate à subversão, enfrentava uma grave crise política e a invasão foi uma tentativa dos militares de forjar uma unidade nacional. Acertaram na mosca. Apesar da ojeriza que a maioria da população devotava ao regime, multidões em júbilo foram à Plaza de Mayo apoiar a “soberania nacional”. Até os montoneros – guerrilheiros da extrema esquerda peronista massacrados nos porões da ditadura – apoiaram a aventura militar. Mas, no plano externo, o regime cometeu graves erros de cálculo. Ele acreditava que o Reino Unido não teria disposição para enviar uma frota para o Atlântico Sul e que os EUA se manteriam neutros, agradecidos pelo papel de gendarmes que os argentinos desempenharam no combate a guerrilhas de esquerda da América Central. Mas os britânicos chegaram e em 80 dias derrotaram os argentinos, que estavam completamente despreparados para o confronto militar. Morreram 649 argentinos – 323 deles no afundamento do cruzador General Belgrano – e 258 britânicos. A ditadura militar entrou em colapso; um ano depois, a Argentina voltava à democracia. E, para parte da esquerda argentina e latino-americana, como Cuba, sobrou a humilhação de ter, em nome do “antiimperialismo”, embarcado na canoa furada da mais sanguinária ditadura de direita do Cone Sul. Os grandes beneficiados do conflito foram os kelpers, os habitantes das ilhas Malvinas – perdão, das Falklands. Esquecidos durante muito tempo, depois da guerra eles passaram a receber atenção e investimentos do Reino Unido. De origem britânica em sua maioria, os kelpers naturalmente preferem permanecer súditos de Sua Majestade. São apenas cerca de três mil almas, mas ostentam a maior renda per capita da América Latina (US$ 25 mil). Para eles, as Malvinas sempre serão Falklands.