Dono de belezas famosas no mundo todo, o Brasil luta para conquistar uma fatia maior do mercado global de turismo. No ranking internacional, a posição é modesta diante de seu potencial: é o 36o destino mais procurado do planeta. A verdade é que a vocação turística brasileira tardou a aparecer e precisou de ajuda estrangeira e de um acontecimento extraordinário – o estabelecimento da família real no Rio de Janeiro. É isso o que revela o historiador Haroldo Leitão Camargo, pesquisador da Universidade de Campinas (Unicamp), no recém-lançado Uma pré-história do turismo no Brasil (ed. Aleph). No livro, o despertar da sensibilidade da sociedade a nossas paisagens e atrativos é analisado do período colonial até o reinado de dom Pedro II. Mas o foco está nas recreações e lazeres aristocráticos surgidos a partir da chegada da comitiva de dona Maria I, a rainha de Portugal, e do príncipe regente dom João VI, em 1808.

Sensibilidade é um elemento importante para o desenvolvimento do conceito de turismo. Ao menos em um de seus aspectos. Diz o dicionário Aurélio que turismo se aplica a viagem ou excursão feita por prazer. Como ressalta Camargo, o prazer estava distante dos passageiros dos primeiros transcursos oceânicos entre o velho continente e o Brasil. Do descobrimento até meados do século XIX, as viagens em navios eram longas, extremamente desconfortáveis e repletas de sofrimentos a bordo, inclusive para a nobreza. Consta que a princesa Leopoldina, apesar do luxo que a cercou, teve de enfrentar sede, calor, suor, água com gosto pútrido e uma praga de pulgas.

Não é à toa, portanto, que os portugueses que vinham se estabelecer no Brasil não prestavam maior atenção às belezas locais. Estavam amortizados pela penosa travessia e se preparavam para a dura realidade: muito trabalho, a falta de produtos com os quais estavam habituados na Europa e preços altos dos itens importados. Foram os demais estrangeiros (ingleses, alemães e franceses) que descreveram com entusiasmo o panorama, mesmo depois da estafante jornada. O primeiro atrativo para os viajantes era a Baía de Guanabara, a nossa porta de entrada. O alemão Martius não economiza elogios em seu Viagem pelo Brasil, de 1823: "Impossível exprimir os sentimentos que dominam o observador enquanto seus olhos contemplam o cenário. Tenho visitado muitos lugares famosos pela beleza e magnificiência, mas nenhum me deixou na mente igual impressão." Os relatos dos estrangeiros mostram que não havia viagens prazerosas por mar, rio ou terra, mas que já se podia notar a existência da sensibilidade turística. "A importância dos estrangeiros é decisiva. A produção de literatura de viagens é responsável direta pelo valor que se conferiu aos atrativos", explica Camargo.

Há mais atrativos que ganharam a atenção dos viajantes estrangeiros e também da população: o Jardim Botânico, o Passeio Público (jardim murado ainda existente na Lapa) e a Floresta da Tijuca. Mas a mera existência de paisagens bonitas não implica o surgimento da atividade turística. Para isso, é necessária a oferta de um conjunto de serviços capazes de atrair e atender viajantes. O que era quase inexistente antes da vinda dos monarcas. Daí a razão de a família real ter propiciado as bases do que lançaria o turismo no Brasil anos depois. Os deslocamentos de dom João VI pelos arredores do Rio mobilizavam inúmeros fornecedores de munição, bebidas, coches e animais de montaria. Os locais para onde ele e seu séquito se dirigiam com freqüência se consagravam como sítios turísticos potenciais. "Os hábitos da monarquia e da corte, inclusive após a Independência, eram modelos imitados socialmente", salienta o historiador. Um dos costumes reais era a vilegiatura, ou seja, o veraneio por um lugar mais fresco e longe do burburinho do centro. Outro era a busca por estâncias de águas termais. E ainda havia o jogo. Criado em 1845, o Cassino Fluminense era uma espécie de clube de elite que contava com a presença assídua do imperador. Grandes bailes foram organizados ali, porém ele era sustentado pelos associados. Não era uma empresa com finalidade lucrativa. Segundo Camargo, turismo, de fato, nasceu somente no século XIX, a partir dos anos 20, e se delineou no período Vargas. Mas isso é outra história, que ele também planeja escrever.


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