Quando se imaginava que os pecadilhos do presidente americano Bill Clinton haviam sido sepultados em páginas obscuras da imprensa, o assunto volta como se fosse um batalhão de zumbis. E quem comanda esta ressurreição é ninguém menos do que a esposa traída, Hillary Rodham Clinton. Em entrevista à badalada estreante revista Talk, a primeira-dama deu explicações para o comportamento do marido infiel (abusos e traumas na infância). Fez mais: surpreendentemente para alguém tão avesso a revelar intimidades, ela contou como enfrentou a humilhação que lhe foi imposta e mostrou um pouco do mecanismo que move seu casamento invulgar. "Foi muita dor e muita raiva, mas eu passei com Bill metade de minha vida e ele é um homem muito, muito bom. Nós temos uma conexão profunda que transcende qualquer coisa que aconteça", disse Hillary. Aos 51 anos, Hillary readquiriu seu equilíbrio pessoal. "Todo mundo tem uma porção de problemas de relacionamento. Todos têm disfunções em suas famílias. É preciso trabalhar isso. Você não abandona simplesmente a pessoa que ama, você a ajuda. Eu não acredito em negar a realidade. Acredito em trabalhar a realidade", afirmou. Muita gente entendeu as declarações como parte de um exercício de recuperação da dignidade abalada. Há também quem acredite que o repente confessional não tenha passado de mais uma estratégia eleitoreira saída da cabeça deste megaanimal-político. Afinal, Hillary está em meio a uma corrida caça votos e, desta vez, o candidato é ela mesma.

Há pouco mais de um ano, o deputado Charles Rangel, representante democrata nova-iorquino em Washington, olhou para o cenário político de seu Estado e viu o caos em seu partido. Os republicanos haviam conquistado de forma categórica o território e montaram verdadeiras fortalezas que prometiam ficar inabaladas por muito tempo. O velho senador Daniel Patrick Moyniham anunciou sua aposentadoria, o que deixaria aberta uma vaga democrata no Senado. O perigo é que o arquiinimigo do partido, o prefeito Rudolph Giuliani, já salivava com a perspectiva de ocupar a venerada cadeira. Rangel sabia que somente uma figura com carisma e força dignos de Joana D’Arc seria capaz de salvar o reino perdido dos democratas. Foi assim que o deputado negro começou a preparar a armadura de batalha para Hillary. A virada do século veria dois titãs das urnas se digladiarem na mãe de todas as batalhas políticas. E, quando a poeira assentar, Nova York terá novo imperador. Por enquanto, a primeira-dama mostra que a coroa lhe assenta melhor na cabeça.

 

Campanha perdulária No escritório da sétima avenida, os telefones não param de tocar. O grosso das chamadas traz mensagens de encorajamento – muitas vezes acompanhadas da promessa de cheques gordos para o fundo de campanha. E são tantos os que cumprem com a palavra que Hillary já estabeleceu como meta para seus cofres a fantástica quantia de US$ 21 milhões. Se o prefeito Giuliani também honrar compromisso assumido em palanque, suas burras terão a mesma soma. Deste modo, Nova York assistirá à mais rica e perdulária campanha eleitoral de todos os tempos. Só para se ter uma idéia, o vice-presidente Al Gore – candidato à indicação democrata para as eleições presidenciais – só faturou até agora US$ 3 milhões e espera chegar no máximo aos US$ 20 milhões. "Hillary Clinton será capaz de juntar até mais de US$ 21 milhões. Ela tem cacife para concorrer até a Presidência", disse a ISTOÉ o deputado Rangel.

Por enquanto, a Presidência está longe da mira de Hillary, mas o Senado está ao alcance de suas mãos. As pesquisas de opinião mostram um empate técnico entre os candidatos, na base dos 43% de preferências para cada um. Mas oficialmente esta campanha nem sequer começou. "Hillary e Giuliani são como dois pugilistas pesos pesados que se medem no começo da luta. Estão atirando uns golpes, só para testar a reação do inimigo. A verdadeira carnificina vai começar para valer no final deste ano", garante o senador democrata Chuck Schumer.

Já os vorazes rapazes da imprensa têm sido atraídos como mariposas ao brilho desta que é uma das maiores celebridades de todo o mundo. "A imprensa de Nova York pode ser uma matilha de lobos, ou uma ninhada de cachorrinhos. Hillary é uma celebridade que ajuda a vender jornais. Enquanto isso acontecer, os repórteres vão segui-la como cães amestrados. No dia que sua popularidade cair, ela que se prepare para as mordidas", disse a ISTOÉ o colunista Mitchell Fink do diário Daily News.

Sua maior dificuldade será conquistar a simpatia dos eleitores do interior. "Se na cidade de Nova York ela leva vantagem, no resto do Estado Hillary é tida como uma espécie de anticristo. Ela consegue até a proeza de unir os republicanos em torno de Giuliani", diz Bernard Cardova, diretor do centro de pesquisas Politik. "A primeira-dama é boa aluna e aprende rápido. Apresenta soluções para os problemas, baseada naquilo que aprendeu", diz o deputado Rangel. "É disso que a população do interior do Estado mais gosta: soluções para seus problemas. Não adianta o prefeito acusar Hillary de forasteira. Ela é a figura que está diariamente presente na vida das pessoas. Robert Kennedy também não era deste Estado e foi eleito senador em 1964 com uma avalanche de votos. Hillary vai ganhar esta eleição", garante Rangel. Afinal, Hillary – a aluna dedicada, trabalhadora esforçada e mulher de fibra – foi capaz de aguentar trancos bem piores do que o mau humor dos nova-iorquinos.