Fry é um jovem entregador de pizzas. Pedala velozmente sua bicicleta para atender ao último cliente nos últimos minutos do final de 1999, numa Nova York em festa. No meio do caminho vê uma placa com o aviso: Ano 2000 – cuidado ao ter muita esperança. Pronto! Em seguida avista a namorada, Michelle, acompanhada de outro cara. Desencantado, chega ao destino da entrega, um sinistro laboratório, onde acidentalmente acaba congelado e levado ao ano 3000. Esse é o ponto de partida de Futurama, desenho animado criado pelo cartunista americano Matt Groening – o inventor de Os Simpsons – que estréia no Brasil no domingo 15 pelo canal pago Fox, onde irá ao ar semanalmente às 20h, antecedido de enorme sucesso nos Estados Unidos. Na primeira semana de exibição, em março passado, superou a marca dos 11 milhões de espectadores.

Midas dos cartuns para adultos, Groening já fez de Os Simpsons um sucesso planetário. Também é a mais longa série animada do horário nobre da televisão americana. No Brasil já ultrapassou os 200 episódios. É exibida na Fox e no SBT com bons índices de audiência. Futurama tem tudo para repetir a façanha. Mantém o humor debochado, mas não provocará as mesmas polêmicas. Até porque o público se acostumou com desenhos bem mais politicamente incorretos da linha de South Park. Ao ser lançado em janeiro de 1990, Os Simpsons sofreram reações contrárias de puritanos, incomodados com o fato de suas histórias estarem centradas em dois personagens que não são um bom exemplo de civilidade nem compõem um retrato lisonjeiro da classe média americana. Bart Simpson é um garoto mal-educado, respondão e incontrolável em seus ímpetos traquinas. Seu pai, Homer, é um emérito bebedor de cerveja como indica a imensa pança sempre acomodada em frente à televisão.

 

Século XXXI – A diferença com Futurama é que por ser ambientado daqui a mil anos permitiu a Groening inventar tipos mais extravagantes. Fry é um jovem que se remói pela falta de perspectivas como entregador de pizzas. Ao acordar em pleno século XXXI enxerga uma chance de melhoria num mundo novo, mas não tão admirável. Como numa regra orwelliana, as autoridades determinam a profissão das pessoas. E o destino de Fry é… ser entregador de pizza. Claro que ele se rebela e na fuga une-se a outros outsiders, entre eles o robô Bender, tipinho irascível, que entorna mais cervejas que Homer Simpson, e Leela, uma extraterrestre com corpinho de dançarina do É o Tchan!, só que com um olho só. Neste mundo freak não falta ainda um cientista louco, o professor Farnsworth, descendente distante de Fry e dono do Planet Express, uma empresa que entrega tudo.

O quarteto brancaleônico vive numa Nova York reconstruída sobre os escombros da antiga metrópole. Quase toda locomoção é feita através de tubos transparentes. A pessoa fala apenas o destino e é imediatamente transportada. Nas esquinas, há cabines de suicídio para acabar de vez com o stress urbano. Mediante o pagamento de US$ 0,25 pode-se escolher entre uma morte "rápida e sem dor" ou "lenta e horrível". Como se vê, Groening mantém acelerada a verve iconoclasta que o consagrou e o transformou numa espécie de rebelde bem-sucedido, imagem cultivada através do visual neo-hippie. Sua origem é também alternativa. Começou desenhando em pequenos jornais uma tira batizada de Vida no inferno – atualmente publicada em mais de 250 diários de todo o mundo – e alinha entre suas preferências a obra do músico brasileiro Tom Zé, que por sinal, ao ser apresentado ao cartunista, não tinha a mínima noção de quem se tratava.

 

Prestígio – Entre fãs de quadrinhos e animação, porém, o fato jamais aconteceria. Groening é um nome reverenciado. Seu prestígio aumentou ainda mais depois de Futurama, a saga que ele imaginava fazer desde a infância quando se encantava com as capas dos gibis de ficção científica do irmão. "Eu pensava que seria muito legal se isso fosse real", conta. "Ao longo dos anos tivemos várias concepções de futuro. Eu adoro a visão dos anos 40, 50 e 60. Nos anos 70, as coisas ficaram esquisitas e em 1980 se tornaram mais monstruosas e sombrias." Futurama não traz ambientes assustadores. Em compensação, não tem a leveza dos desenhos dos Jetsons, por exemplo. Até porque não economiza no bizarro como o estranho museu em que cabeças de personalidades do passado são mantidas vivas e falantes. Ex-presidentes americanos, Leonard Nimoy, Pamela Anderson e até o próprio Matt Groening integram o circo de humor negro. É como se ele, sem modéstia, já se reconhecesse como a celebridade que é. Com razão, afinal Bart Simpson foi incluído pela revista Time entre as 100 "pessoas" mais influentes do século.