Na cidade de Alfenas, sul de Minas Gerais, baile nos sábados só era bom se animado pelo grupo W’Boys, assim chamado por reunir, além do pianista Wagner Tiso, os irmãos Wanderlei, Weslei e Wayne Alves Cabral. Mesmo porque à frente da banda quem embalava os casais cantando músicas românticas era um magricela de voz afinada e cabelos raspados, apelidado de Bituca, o mesmo que hoje o mundo conhece como Milton Nascimento. Ele adora recordar a época de 30 anos atrás, celebrizada na canção de sua autoria Os bailes da vida e agora revivida no disco e no show Crooner, tremendo sucesso de público que lotou o Canecão carioca e o Palace em São Paulo, seguindo em turnê pelo Nordeste, Minas Gerais e interior do Estado de São Paulo, voltando em novembro para o Rio de Janeiro e capital paulista. Concebido para reproduzir o clima dos antigos bailes, com espaço na platéia reservado para uma pista de dança, Crooner chega num momento em que a mania de dançar de rosto colado atingiu até os mais jovens que, ao lado de trintões e quarentões, têm prestigiado outros bailes ao som de orquestras tradicionais.

O publicitário Danilo Falcão, 23 anos, e a engenheira Fernanda Couto, 22, que se conheceram há um ano numa arretada noite de forró em São Paulo, adoraram o repertório variado do show de Milton Nascimento, uma coleção de sambas-canções antológicos, boleros clássicos e músicas mais recentes como Certas coisas, de Lulu Santos, e Não sei dançar, conhecida na voz de Marina. "A gente se gosta e por isto fica mais legal dançar junto, sentindo um ao outro", diz Falcão. "É uma moda que já pegou", garante Fernanda, que frequenta vários locais destinados exclusivamente aos pés de valsa. Só na capital paulista acontecem semanalmente mais de 20 bailes em lugares badalados como o Avenida Club ou mais populares no gênero do Clube Juventus, no bairro da Mooca. No Rio de Janeiro, o número baixa para nove, mas a animação é a mesma. Segundo o maestro Severino Araújo, 82 anos, há mais de 60 comandando a Orquestra Tabajara, o hábito de dançar coladinho pode ter perdido a elegância de outrora, mas nunca foi esquecido. "Gente com mais de 30 sempre dançou junto. A garotada é que não sabe, mas agora começou a se interessar mais e está até entrando em academias para aprender."

Não à toa, quando teve a idéia de transformar seu novo show numa alegre festa dançante, Milton tinha certeza de que seria um acontecimento. "Na estréia carioca, no segundo compasso da música de abertura já tinha gente dançando. Era mulher com mulher, homem com homem, uma loucura! Me lembrou cidade do interior." Do alto do palco, o cantor costuma observar os passos dos bailarinos. Já sabe que o salão congestiona quando interpreta em versão suingada a balada Corazón partio, do espanhol Alejandro Sanz, oportunidade para ele arriscar alguns passos no palco com as ótimas backing vocals Suzana Bello e Beth Bruno.

Manter um salão lotado por toda a noite não é só alegria, é a prova dos nove de um animador de bailes. Com uma carreira de mais de cinco décadas à frente de sua orquestra de 19 músicos, o maestro paulistano Sylvio Mazzuca, 80 anos, afirma nunca ter presenciado uma pista vazia. Mas não sabe dizer ao certo que fórmula mantém as pessoas inebriadas, rodopiando na cadência do dois pra lá, dois pra cá. "Escolho músicas que levam os casais a continuar dançando sem parar. Acho que tenho um estilo que os faz sentir o que estou tocando." Mazzuca, que marcou presença cintilante com sua orquestra nas principais rádios e tevês de São Paulo, gosta de lembrar do glamour dos antigos bailes.

É uma atmosfera parecida de nostalgia que Milton Nascimento tem conseguido com Crooner, que reserva até um momento besteirol no pout-pourri formado pelas elétricas Gato de madame, Cumaná e Edmundo, versão bem-humorada para In the mood. No topo da lista das que ele nunca interpretará, no entanto, está o bolero El reloj, do repertório de Lucho Gatica. Fala sobre um homem que implora ao relógio para andar mais devagar, adiando assim a morte da amada agonizante. "Quando a ouvi pela primeira vez, achei um baixo-astral tão grande que jurei que nunca a cantaria." Tem certos crooners que podem se dar a este luxo.

Colaborou: Celina Côrtes (RJ)