As últimas semanas foram de grande apreensão para a família do microempresário carioca Ademar Pereira. Arquiteto por formação e dono de uma empresa de design gráfico, ele se arriscou no financiamento da casa própria e, depois de oito anos de prestações, ficou inadimplente. Por ora, a propriedade do apartamento de quatro quartos onde mora, em Ipanema, zona sul do Rio, continua sendo apenas um sonho. Assim como outros 200 mil mutuários, Ademar aguarda ansiosamente o resultado do julgamento desta segunda-feira 9, no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. Lá, será dado o parecer final sobre três recursos que pedem o expurgo do índice de 84,32% aplicado aos financiamentos habitacionais pelo Bradesco ainda no Plano Collor. Ao confiscar a poupança, o governo Collor criou um novo índice – o Bônus do Tesouro Nacional Fiscal (BTNF). Em março daquele ano, o BTNF variou 41,28% e foi usado para corrigir diferentes contratos, entre eles o da caderneta de poupança. Apesar de os financiamentos habitacionais serem reajustados pelo mesmo índice, os bancos utilizaram o Índice de Preços ao Consumidor (IPC). Quer dizer, enquanto as cadernetas renderam apenas 41,28%, os saldos habitacionais subiram 84,32%.

Morando num apartamento de 140 metros quadrados com a mulher e dois filhos, Ademar, 54 anos, não quita suas prestações com o Bradesco, que tem a maior carteira imobiliária do País, há um ano. Sua inadimplência não foi opcional. As dificuldades financeiras começaram no mês seguinte à assinatura do contrato de financiamento, em dezembro de 1990. "Quanto mais eu pagava, maior era minha dívida." Sem condições de honrar seus compromissos, Ademar passou a ser ameaçado de perder o imóvel. Acuado pela situação, entrou na Justiça. Conseguiu uma liminar e parou de pagar as prestações. "Pelos meus cálculos já paguei todo o apartamento, mas não tenho a menor idéia do tamanho da minha dívida. O banco alega que o saldo devedor só está disponível para aqueles que optarem por quitar o imóvel à vista." Se o valor da dívida é segredo, o mesmo não ocorre com as prestações. Mensalmente chega à sua caixa de correio um boleto bancário que vai direto para o fundo da gaveta. A última prestação cobrada, vencida no mês de julho, foi de R$ 8.667,68. "Precisaria ser milionário para bancar uma prestação deste valor. Comprei um apartamento e não acho justo ser obrigado a pagar um prédio."

Se a decisão dos ministros do STJ for favorável aos mutuários, Ademar será beneficiado quando seu processo chegar a Brasília. Dos oito ministros que compõem o STJ, seis já votaram. O placar por enquanto está empatado. Faltam ainda os votos de Barros Monteiro e César Asfor Rocha. Se o empate persistir, caberá ao presidente da seção, o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, dar o voto de minerva. "O STJ tem nas mãos uma oportunidade histórica de fazer justiça, corrigindo esta distorção nascida no Plano Collor", analisa o advogado carioca Aristides Costa, especialista em direito financeiro e imobiliário. A diretoria do Bradesco prefere não comentar o assunto alegando que só irá fazê-lo depois da decisão de segunda-feira 9. O advogado do banco, Saulo Ramos, alerta que uma sentença favorável aos mutuários causaria um rombo às finanças do País de cerca de R$ 50 bilhões. O músico carioca Marcelo Tavares de Castilho é outro que está esperançoso com o resultado deste julgamento. Ele também se tornou mutuário em abril de 1991, financiando a compra de um apartamento de dois quartos no Jardim Botânico, no Rio. Desde então o saldo devedor não parou de crescer. Há um ano ficou inadimplente e não tem mais controle sobre o montante que ainda falta. Seu futuro agora está nas mãos da Justiça.