Primeiro foi o CD que aposentou os bolachões de vinil. Agora é a vez do DVD que promete tornar o videocassete coisa do passado. Só sobrou o cinema. Com seus enormes rolos de película, ele é a última trincheira de resistência analógica à invasão do império digital. Para alívio dos tecnofóbicos, ainda não inventaram nada que substitua o filme convencional, com sua qualidade de cores, resolução e contraste. Apesar disso, pelo menos no interior das salas de exibição o futuro da sétima arte é digital. E tem a forma de um armário com 1,83m de altura e 760 quilos, as dimensões do projetor ILA-12K, da empresa americana Hughes-JVC. Ele dispensa o uso de rolos de filme. Acessa as imagens de um longa-metragem armazenadas digitalmente na memória de um computador e as amplia para ocupar uma tela de 30m de largura por 9m de altura, igual às dos maiores cinemas.

O princípio tecnológico por trás do projetor eletrônico de cinema é o mesmo dos projetores portáteis acoplados a notebooks e usados em apresentações profissionais. Ele muda o método de exibição de um filme, mas não as suas produção e filmagem. Nos estúdios de Hollywood, o cinema eletrônico aparecerá somente na hora da duplicação do original. Cada cópia a ser distribuída para cada cinema sai por US$ 2 mil. No caso de uma superprodução como Titanic, lançada em dezenas de cinemas Brasil afora, o gasto com copiagem é de centenas de milhares de reais, despesa que desaparece com o e-movie. É o fim das cópias. O original é convertido num vídeo digital de alta-resolução. Este é enviado por cabos de fibra óptica ou via satélite às salas de exibição e armazenado num servidor conectado ao ILA-12K. O processo faz com que cada cópia, por ser digital, tenha a mesma qualidade do original, algo impossível de ser atingido no processo analógico. Indo além, a cópia digital não se deteriora nem fica riscada devido ao uso. Os espectadores dos cinemas do interior, que não têm escolha a não ser assistir a cópias riscadas anteriormente exibidas nas capitais, só terão o que agradecer.

A primeira exibição pública do novo ILA-12K foi em 18 de junho, em duas salas de Los Angeles e duas de Nova York, que exibiram Guerra nas estrelas – a ameaça fantasma. Além de gravar algumas sequências em formato digital, George Lucas, o diretor do filme, fez questão de mostrar ao mundo a direção para onde caminha a sétima arte. Encerrada a exibição, um desses projetores foi encaixotado e enviado ao Rio de Janeiro para exibir em 29 de junho na casa de espetáculos Metropolitan a versão digital de A vida é bela, o filme de Roberto Benigni que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro de 1999. Quem trouxe a máquina ao País foi a Broadband Image Technologies, representante da Hughes-JVC. No momento, o projetor de US$ 250 mil está em demonstração no Projac, o centro de produções da Rede Globo, em Jacarepaguá. "Existem 24 projetores como esse no mundo, a maioria em salas de convenção", diz Charles Pintard, diretor da Hughes-JVC para a América Latina. Segundo ele, ainda existem diversas questões pendentes entre Hollywood, as distribuidoras e os exibidores para a adoção do sistema. No fundo, é uma equação bem simples. Quem economiza com o cinema digital são os distribuidores, que deixam de fazer cópias. Mas quem investe no equipamento são os donos das salas, que só o farão mediante algum tipo de compensação. Essa queda-de-braço está apenas começando.

 

Segurança Outro aspecto que dificulta a adoção do e-cinema é a segurança. Num momento em que os piratas da informática invadem computadores dos governos americano e brasileiro, e o formato MP3 de áudio digital ameaça os lucros da indústria fonográfica por possibilitar a livre gravação de música sem pagamento de direitos autorais, os estúdios de Hollywood só vão mergulhar nessa nova era com a garantia de que ninguém interceptará e copiará um filme durante sua transmissão. Contra isso, a Qualcomm compilou um programa que codifica o sinal do filme. Sempre alerta, ele informa a distribuidora via Internet quando alguém tenta decifrar o código, 24 horas por dia, 7 dias na semana. Problema da segurança resolvido e novo impasse criado. O software pertencer à Qualcomm. Ninguém aceita a hipótese de que toda a produção da indústria cinematográfica dependa de um único programa. É botar poder demais na mão de uma empresa. Antecedentes não faltam. O melhor exemplo é a Microsoft, que com seu Windows dominou os computadores do planeta.

 

País sem IMAX

Comemorando os 60 anos de Fantasia (1940), o clássico de Walt Disney que une animação e música clássica, os Estúdios Disney estão finalizando Fantasia 2000. Além da restauração das sequências Aprendiz de feiticeiro e O quebra-nozes, a fita terá sete novas peças inspiradas em composições como Carnaval dos animais, de Saint-Saens, a Sinfonia nº 5, de Beethoven, Pompa e circunstância, de Elgar, Rhapsody in blue, de Gershwin, e O pássaro de fogo, de Stravinsky. O filme está sendo produzido no formato IMAX, o dos cinemas de altíssima resolução com telas de 20 metros de altura. A première acontece em 17 de dezembro no Carnegie Hall, em Nova York, com James Levine conduzindo a Orquestra Sinfônica de Chicago. Na semana seguinte, filme e músicos se apresentam em Londres, Paris, Tóquio e Los Angeles – na véspera de Ano Novo. Em 1º de janeiro de 2000, o filme entra em cartaz em todo o planeta. Ou melhor, nos países onde há salas IMAX. E o Brasil não é um deles. O único cinema do gênero no País fica no parque temático Terra Encantada, na Barra, Rio de Janeiro. "A sala está fechada há um ano com US$ 2 milhões em equipamentos, faltando muito pouco para ficar pronta", diz Yuri Assis, da Broadband Image Technologies, que também representa a IMAX. Como o parque está em concordata, se nenhuma solução financeira for encontrada a tempo essa história terá um final infeliz. Aos brasileiros que quiserem ver Fantasia 2000 só restará uma opção: entrar num avião e boa viagem.