04/08/1999 - 10:00
Como aquele personagem de desenho animado, o cachorro Mutley da Corrida Maluca, o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, só pensa em uma coisa em Winnipeg: "Medalha, medalha, medalha…" Não é para menos, ele conta uma a uma as conquistas dos atletas brasileiros e aguarda ansiosamente a hora de superar dois recordes: na soma total (82, em Mar del Plata, em 1995) e na maior quantidade de ouros (21, em Havana, em 1991). Para chegar lá, sua rotina durante os XIII Jogos Pan-Americanos, no Canadá, é mais intensa do que a de muitos atletas. A maratona diária inclui reuniões com o comitê organizador do evento, com os chefes da delegação verde-amarela, contatos com a imprensa internacional e o périplo pelas quadras, raias, estádios, enfim, todo e qualquer lugar onde tenha um brasileiro subindo ao pódio. "O pior é a ansiedade pelos resultados nas competições", conta. Na presidência da Confederação Brasileira de Vôlei, onde ficou por 22 anos, Nuzman atraiu empresas de peso e consolidou o País como uma das grandes forças mundiais. Agora, quer fazer o mesmo com todas as modalidades que estão sob o guarda-chuva do COB. Por isso, iniciou uma cruzada para obter mais recursos e transformar o Brasil numa potência olímpica. Nesta entrevista, Nuzman, 57 anos, faz ressalvas à Lei Pelé, elogia o esforço dos atletas brasileiros e surpreende ao dizer que o Rio não teria a mínima condição de sediar as Olimpíadas de 2004, um sonho que, tampouco, deve se tornar realidade pelos próximos 12 anos.
A mídia do continente, não só a brasileira, está dando uma cobertura a este Pan como jamais fez e esta é a constatação do crescimento da importância da competição. Esta visibilidade terá um impacto muito positivo para os atletas e confederações que buscam patrocínios para a manutenção de seus programas de treinamento. Além de servir como preparação às Olimpíadas, Winnipeg também funciona como etapa de classificação em algumas modalidades. Nossos triatletas Carla Moreno e Armando Barcelos, por exemplo, já carimbaram aqui os seus passaportes. Em outros esportes, as seletivas serão em breve, o que faz do Pan um importante teste final. A expectativa que se cria é a de que vamos sair daqui com um aumento de repercussão dos esportes individuais e começar a mudar esta idéia de que o brasileiro só gosta de esporte coletivo. Isto é excepcional porque nos esportes individuais é onde está concentrada a maior quantidade de medalhas.
O bronze tem um valor muito grande. Temos de lembrar que enfrentamos no Pan-Americano três potências olímpicas: Estados Unidos, Cuba e Canadá. Quando conquistamos um bronze, significa que superamos uma dessas forças ou até mais, dependendo da situação. Na minha opinião, não tem nada a ver com maior ou menor experiência internacional, mas apenas com o atual estágio de evolução do nosso esporte olímpico.
Veremos claramente o amadurecimento de algumas modalidades, como o caratê, que sai com um resultado magnífico: oito medalhas, sendo uma de ouro, contra cinco obtidas em Mar del Plata, em 1995. Nem vamos falar das questões de arbitragem, embora o Didi tenha realmente ganho a luta (Altamiro Cruz, que ficou conhecido por ser segurança do senador Antônio Carlos Magalhães, ganhou a medalha de prata na categoria acima de 80 quilos). O fato é que mostrou uma evolução muito grande. Assim como a canoagem, que levou duas medalhas em Mar del Plata e agora ficou com cinco. São esportes que agora têm resultados para mostrar na hora de buscar um patrocínio. Isto sem falar no atletismo, que segue num avanço muito rápido. Especialmente se pensarmos de que se trata de uma modalidade onde há muita concorrência internacional. Os ouros da Maurren Maggi no salto em distância, do Vanderlei Cordeiro de Lima na maratona e a prata do Elenílson da Silva nos cinco mil metros dão mostras de nossa evolução.
O basquete tem uma nova administração, mas ainda não se podem esperar grandes resultados. O problema é que vivemos de uma única equipe por quase duas décadas. E pior: o trabalho de base, de formação de atletas, foi esquecido. O basquete ficou dez anos sem participar de um campeonato mundial juvenil. Isto não pode acontecer impunemente. Ficar de fora de Sydney vai nos trazer um prejuízo ainda maior. Agora foi lançado o projeto Atenas 2004 para recuperar o tempo perdido, mas terão de trabalhar muito para recolocar o basquete brasileiro onde sempre esteve: entre os melhores do mundo.
Esse movimento de entrada e saída de empresas é permanente, é histórico. A empresa entra e tem um objetivo determinado, não vai fazer filantropia. Quando atinge o objetivo, sai. Neste momento há muitas empresas saindo e outras entrando no vôlei. Tudo dentro da lei natural dos investimentos no esporte.
No mundo inteiro, esporte e cultura são tratados no mesmo patamar. Dentro dessa idéia, nós não queremos tirar nada da cultura. Poderia ser criada uma espécie de Lei Rouanet do esporte, mas, para não afetar a área econômica do governo, a nossa principal sugestão é que o mesmo porcentual que a cultura tira da arrecadação bruta das loterias fosse também cedido ao esporte olímpico. Isso resolveria o problema do COB.
O benefício dado ao COB é a arrecadação líquida de dois testes da loteria esportiva, algo em torno de R$ 300 mil. Já a cultura consegue cerca de R$ 200 milhões por ano. O valor ideal depende da extensão do projeto para o esporte, mas seria algo como R$ 50 milhões. O comitê italiano, por exemplo, recebe cerca de US$ 650 milhões por ano, o australiano tem cerca de US$ 100 milhões, portanto, há uma grande diferença de suporte. Muitos países estão crescendo, o que representa um forte trabalho dos seus governos. Até Ilhas Cayman já ganhou medalha neste Pan! Veja o nível do recém-nascido voleibol da Colômbia, no masculino, e da República Dominicana, no feminino. Mas estamos mostrando que temos organização, fomos reconhecidos pelo comitê organizador como a delegação mais bem estruturada.
Faltam ainda mais trabalho, mais atletas praticando modalidades que dão mais medalhas. E, sobretudo, dinheiro. O fato é que o atleta brasileiro tem um enorme potencial, só não tem suporte financeiro.
A arrancada esportiva de um país abre portas até para o comércio externo. A Olympikus, por exemplo, empresa brasileira fornecedora do material esportivo da nossa delegação, está ampliando mercados com o Pan, que é uma grande vitrine, e já se torna uma das grandes do setor. Há ainda o turismo. O esporte ajuda a divulgar o País, a promoção de eventos internacionais, movimenta a indústria do turismo e cria empregos. Novas modalidades, mais atletas, formam novas profissões, combatem o desemprego e, em última análise, são outra alternativa para tirar as pessoas das ruas, da pobreza. Quanto mais pessoas praticarem esporte, maior será a possibilidade de termos um povo saudável e mais bem-educado. Enfim, toda a sociedade vai ser beneficiada.
Meu reparo é separar o futebol dos outros esportes. O futebol tem uma vida completamente independente do resto. No mundo todo, os direitos de tevê do futebol são maiores que a totalidade dos Jogos Olímpicos. Acho que esse é o grande equívoco da Lei Pelé. Você não pode obrigar que os clubes de todas as modalidades esportivas se tornem empresas. Algumas têm sede na casa do presidente do clube ou da federação. Como vai virar empresa? Por alguns esportes, os patrocinadores não se interessam.
Levamos os atletas que tiveram mérito. Não tivemos a preocupação de levar mais gente para ganhar mais, ao contrário. Há alguns esportes que sabemos que não vão ganhar medalhas, mas estão indo ao Pan porque estão em fase de desenvolvimento. Nas próximas Olimpíadas poderemos levar uma delegação menor, especialmente se alguma equipe dos esportes coletivos não se classificar. Há um crescimento do esporte brasileiro. Os dirigentes das confederações brasileiras têm encarado o trabalho com mais profissionalismo. Sabem que acabou o sistema de convite para as Olimpíadas, quem não tiver resultado não vai.
O esporte é a grande indústria desse final de século. É a 22ª indústria nos Estados Unidos e em pleno crescimento. O número de empregos é impossível estimar – só o futebol gera quase um milhão de empregos diretos em todo o mundo, segundo dados da Fifa. Admito que para conseguir conscientizar sobre a importância do esporte para a economia brasileira a gente ainda vai ter de caminhar um pouco mais. Mas o potencial é muito grande.
A Comissão COI 2000 pretende reformular o movimento olímpico internacional. As cidades candidatas vão ter de mudar seus princípios. Algumas não têm estrutura nem condições de organizar os jogos, mas são candidatas. Gasta-se dinheiro, mexe-se com o sentimento de nacionalismo da população, ilude-se, dizendo que a cidade teria condições quando não tem e se acaba prejudicando o desenvolvimento do esporte naquele país, com uma derrota fragorosa. A minha sugestão é que cada cidade candidata tenha um plano estratégico olímpico.
Eu acho que deve continuar existindo, mas não no momento. Acho que para 2008 nem o Rio nem qualquer cidade brasileira teriam condições de ser candidatas.
Não.
Na época, o Rio 2004 foi uma candidatura igual às outras. O que nós estamos discutindo são mudanças que poderão acontecer daqui para a frente. A candidatura do Rio partiu de uma suposição de que era possível fazer as Olimpíadas aqui. Mas hoje vejo claramente a necessidade do plano estratégico olímpico. Dentro dessa visão, aprendi muita coisa que não conhecia.
O Brasil não pode pensar nisso por, pelo menos, 12 anos. Aqui sim temos questões prioritárias, devemos estruturar o esporte brasileiro. Não adianta investir numa candidatura quando já se sabe que as cidades dos Estados Unidos vão concorrer para ser a sede de 2007. A cidade brasileira que quiser se candidatar precisa conhecer bem o que é preciso, se informar bastante antes de tomar qualquer decisão.