Convidado para prestar esclarecimentos no Senado sobre o recente episódio do DDD, na terça-feira 27, o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, teve de fazer um grande esforço para defender o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Renato Navarro Guerreiro. O apoio público foi uma tentativa de levantar o moral da agência, severamente castigado desde a caótica entrada em operação do novo sistema de telefonia, no início de julho. "Não me parece correto que parlamentares critiquem a Anatel, senão as operadoras serão fiscalizadas por uma agência desgastada", afirmou o ministro. O inferno astral vivido pela Anatel neste mês talvez só seja comparável àquele pelo qual passou sua co-irmã Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em 11 de março. Naquela fatídica quinta-feira, boa parte do País ficou às escuras, deixando claras as deficiências da Aneel no controle da transmissão de energia do País. Da tríade de órgãos reguladores criada pelo governo para controlar os setores de telefonia, energia elétrica e petróleo, somente a Agência Nacional de Petróleo (ANP) ainda não deu vexame. Até porque não foi submetida a uma prova de fogo.

O nome de Guerreiro, nos corredores da Anatel, já não tem a mesma força de quando a agência foi criada, em novembro de 1997. Um dos integrantes do conselho consultivo da Anatel, Paulo Bornhausen – deputado estadual por Santa Catarina –, já é apontado como seu virtual substituto. Durante toda a semana, Brasília virou palco de reuniões entre a agência e as telefônicas. O motivo era a mudança da data de implantação da nova fase de implantação do DDD: as operadoras alegavam não ter condições de cumprir o cronograma e pediam o adiamento por mais 90 dias. Da última vez que um pedido desta natureza foi feito, três dias antes do último 3 de julho, quando o novo sistema entrou em operação, a Anatel disse não. A consequência foi a pane generalizada nas ligações interurbanas. Desta vez, a reivindicação foi aceita e a nova data será divulgada no próximo dia 13.

Durante o bug telefônico, Guerreiro simplesmente transferiu o papel de regulador para os usuários. Chegou a afirmar publicamente que aqueles que se sentissem prejudicados deveriam ir à Justiça. Só mais tarde, corrigiu o rumo, obrigando as operadoras a ressarcirem os prejuízos. A agência só endureceu depois de pressionada. Na terça-feira 27, anunciou que poderá aplicar multas de até R$ 30 milhões contra a Telefônica e a Embratel. A Telemar e a Tele Centro-Sul não foram ainda punidas porque a Anatel não teve tempo de analisar seus relatórios. "O processo sancionatório é sigiloso", disse Guerreiro, esquivando-se a dar maiores detalhes. No caso de algumas empresas, já se sabe que faltaram normas da própria Anatel para balizar a mudança. Outra demonstração de eficiência questionável diz respeito à troca de sócios na Telemar. Pelo regulamento feito pela própria agência, a venda de controle acionário só poderia ocorrer depois de cinco anos. Atilano Oms, da Inepar, pagou R$ 140 milhões em agosto passado, quando disputou o leilão da Telemar, e, em menos de um ano, vai lucrar cerca de R$ 400 milhões vendendo sua participação de 10,17% para o Opportunity de Daniel Dantas. A Anatel apenas exigiu esclarecimentos, mas em nenhum momento barrou o negócio.

Nascida sob a égide de poder e prestígio emprestada pelo falecido ministro das Comunicações Sérgio Motta, a Anatel parece estar perdendo força. Sua prima Aneel, por sua vez, tenta traçar o caminho inverso. Sem padrinho e renegada a ser um órgão que abriga as mais diferentes forças políticas, a agência engrossou a voz no último blecaute. À revelia das distribuidoras, José Mário Abdo, presidente da Aneel, obrigou-as a ressarcirem os consumidores. A multa deverá ser anunciada em agosto e vai variar entre 0,01% a 2% do faturamento bruto das concessionárias. "Temos de punir, mas não podemos exercer simplesmente o poder de polícia. Temos de dar o direito de defesa, afinal estamos numa democracia", justificou Abdo em relação à demora em anunciar os valores das multas. Em março de 1998, a agência já havia multado a Light, em R$ 2 milhões, e a Cerj, em R$ 600 mil, pelos apagões durante o verão carioca. Nos dois casos, a Aneel, no lugar de prevenir o problema, acabou saindo atrás do prejuízo, mas Abdo garante que tudo mudou.

A ANP é das três agências a que está em situação mais confortável. "Menos por extrema competência e mais porque o setor de petróleo, ao contrário do de telefonia e energia elétrica, não foi submetido a uma privatização clássica", avalia o vice-diretor da Coordenação de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio (UFRJ), Luiz Pinguelli Rosa. David Zylbersztajn, genro de Fernando Henrique Cardoso e presidente da ANP, aceita a crítica, mas não calado. "É fácil criticar. Não podemos perder de vista que a cultura de regulação ainda está engatinhando no País." Zylbersztajn acha que a ANP está preparada para exercer o poder de juiz no setor de petróleo, mas admite que a agência herdou atribuições demais. "É uma aberração termos de controlar o setor do poço de petróleo aos postos de distribuição."