O atletismo brasileiro sempre viveu de estrelas solitárias. Adhemar Ferreira da Silva, João do Pulo, Joaquim Cruz, Róbson Caetano, cada um a seu tempo, carregavam todas as esperanças de medalha do País na mais tradicional modalidade olímpica. Alguns anos e muito suor depois, a situação mudou. "Esta é a melhor geração de nossa história, diversificada e jovem", festeja Sérgio Luis Coutinho Nogueira, o chefe da equipe. Os resultados da primeira semana de competições dos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg, no Canadá, servem como prova. Garantiu boa parte das conquistas verde-amarelas numa competição que, se não tinha a força máxima americana, contou com fortes equipes de Cuba e Canadá, além de um bom segundo time dos Estados Unidos. "Faltava apenas uma estrela que liderasse este grupo e parece que esta atleta é a Maurren Maggi", prevê Nogueira. De talento tão incomum quanto seu nome, homenagem a Mauren, mulher do ex-beatle Ringo Star, que o tabelião entendeu mal e registrou com um r a mais, Maurren tem a melhor marca do ano no salto em distância (7,26 metros) e levou com facilidade a medalha de ouro. E mais: mostrou o carisma e a personalidade que faltavam ao grupo brasileiro. Competiu com bandeirinhas pintadas nas unhas, subiu ao pódio com o urso de pelúcia de estimação e esbanjou simpatia nas entrevistas. "Fico orgulhosa por ter todo este destaque. Só espero dar conta do recado", diz, modesta.

Este reconhecimento já começa a mudar a vida de Maurren, que tem 23 anos. O ouro de Winnipeg lhe garantiu um prêmio de R$ 5 mil de um de seus patrocinadores, a marca esportiva Olimpikus, que ainda dobrará seu salário até os Jogos de Sydney. Somada à ajuda de seu clube, a Funilense, de São Caetano do Sul, bancada pela BM&F, ela passará a ter uma renda mensal de cerca de R$ 4 mil, considerada alta para os padrões do atletismo brasileiro. Se ainda não dá para fazer fortuna nas pistas brasileiras, ao menos os atletas têm estrutura para treinar. Graças a este avanço que o velocista Claudinei Quirino da Silva, 28 anos, venceu a infância orfã, driblou a pobreza e se tornou o "foguete brasileiro". Ganhou o ouro nos 200 metros e o bronze nos 100 metros. Trajetória tão difícil quanto a do meio-fundista Elenílson da Silva, 27 anos, que corria atrás de bois e cavalos em Mato Grosso do Sul e foi até babá em São Paulo para se manter como atleta. Na sua primeira competição internacional, ficou com a prata nos 5 mil metros e o ouro nos 10 mil. "Estava muito ansioso e vacilei na primeira prova. Na outra, estava mais relaxado", comentou. Há quatro meses no Vasco, Elenílson pode agora se dedicar integralmente ao esporte e, como os demais, corre na direção de Sydney. "Estamos colhendo os frutos de um trabalho de longo prazo, que começou no início da década e vai estar maduro em Atenas 2004", resume Nogueira.

 

Ansiedade por medalhas

Com o peso de pertencerem à mais bem preparada delegação de todos os tempos, os brasileiros foram vítimas da ansiedade e da inexperiência na primeira semana de competições do Pan. Em consequência, as provas foram recheadas de surpresas – para o bem e para o mal. O melhor exemplo foi o da ginástica. Todas as fichas estavam depositadas na carioca Daniele Hypólito, 14 anos, que chegou ao Canadá com uma carreira coberta de glórias. Nada feito. A compensação veio com a gaúcha Daiane Santos, 16 anos, que, apesar de treinar há apenas três anos, conquistou a prata no salto sobre o cavalo e dois bronzes, no solo e na competição por equipe. Se o Brasil ainda deixou a desejar no remo, com apenas uma prata, recuperou-se na canoagem, com duas de prata e três de bronze. As equipes masculina e feminina de tênis de mesa também ficaram só no bronze, contrariando o favoritismo, enquanto o caratê demonstrou que tem futuro: abocanhou uma medalha de ouro, com Lucélia de Carvalho, além de outras quatro de prata e três de bronze. A modalidade não será disputada em Sydney, mas contará do programa de Atenas, em 2004. "No final das contas, ficamos dentro do previsto. Temos chance de bater nosso recorde de 82 medalhas em Mar del Plata", avaliou Marcus Vinicius Freire, chefe da missão brasileira.