Stress, corre-corre, barulho. Manter a saúde em uma cidade grande não é fácil. E menos ainda se ela for poluída. Isso porque cada vez mais estudos têm demonstrado os efeitos nefastos da poluição no ser humano. Irritação nos olhos e coceira na garganta são algumas das inconveniências causadas por ela. O que os cientistas estão descobrindo agora é que o prejuízo da poluição à saúde vai além desses sintomas: ela pode afetar o sistema cardiovascular e até os fetos.

A comprovação dos efeitos perversos da poluição sobre os fetos, por exemplo, está em uma pesquisa inédita no País feita pelo médico Luiz Alberto Pereira, pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Universidade de São Paulo (USP). O trabalho revelou que, apesar da proteção da placenta e da estrutura do corpo materno, os fetos sofrem com a poluição atmosférica. Pereira comparou o número de óbitos fetais tardios (a partir do sétimo mês de gestação) ocorridos entre janeiro de 1991 e dezembro de 1992, em São Paulo, com os índices diários de poluição na cidade e constatou que nos dias mais poluídos as mortes fetais tardias foram maiores. Ele verificou também que de cada oito óbitos fetais tardios registrados por dia, em média dois podem estar associados à poluição. "Ela não é a única causa da perda do feto, mas aumenta os riscos de morte. Quanto mais poluição, maior o risco", explica Pereira, que apresentou os resultados em sua tese de doutorado, defendida recentemente na USP.

 

Agravante A pesquisa mostra que a poluição, embora não seja um fator determinante para a perda do bebê, é um risco a mais que deve ser considerado durante a gestação. Tanto para uma gravidez que requer mais cuidados quanto para uma que transcorre normalmente. No primeiro caso, por exemplo, se a gestante fuma e tem pressão alta, a poluição entra como mais um ponto que pode prejudicar o feto. "Se essa mãe viver num lugar onde o ar é poluído, os riscos da gravidez serão ainda maiores", diz Pereira. Para a gravidez de baixo risco, se a gestante se mantiver longe de lugares poluídos, as chances de acontecer algum mal ao feto serão menores ainda.

O mecanismo pelo qual a poluição prejudica o bebê passa pelo pulmão e pela circulação sanguínea da mãe. Ao serem inalados, os poluentes, assim como o oxigênio – que é vital para o ser humano –, chegam até o pulmão. Ali, o sangue passa para receber o oxigênio e levá-lo até os órgãos e tecidos. Quando a concentração de poluentes no pulmão é alta, eles competem com o oxigênio, ocupam o lugar dele no sangue e chegam até o feto por meio do cordão umbilical. Essa troca faz com que o bebê receba menos oxigênio do que deveria e pode até levar – dependendo da quantidade e do tempo de exposição da mãe à poluição – à sua morte.

Gases Entre os poluentes do ar, os principais gases que estariam ligados a essas perdas são o dióxido de nitrogênio (NO2), o monóxido de carbono (CO) e o dióxido de enxofre (SO2). Os dois primeiros são provenientes, em sua maioria, dos carros a gasolina. O último se origina, em grande parte, das fábricas e da queima do diesel. Os níveis de dióxido de nitrogênio na cidade de São Paulo nos dias de maior poluição (cerca de 140 dias dos 730 estudados) variaram de 210 a 668 microgramas por metro cúbico. A média diária aceitável desse poluente é de 320 microgramas/m3.

É esse princípio que serve também para explicar a relação da poluição com as doenças cardiovasculares. Em pessoas com problemas no coração, a substituição do oxigênio por monóxido de carbono sobrecarrega o órgão, pois, com menos oxigênio disponível, ele precisa bombear mais o sangue para poder oxigenar o corpo. As consequências dessa sobrecarga são manifestações de problemas no coração, como angina (dor no peito) e infarto. Um estudo feito durante dois anos pelo clínico geral Chin An Lin, do Hospital das Clínicas de São Paulo, juntamente com o Instituto do Coração (Incor), revelou que os dias de maior poluição provocam um aumento de até 14% no atendimento do Pronto-Socorro do Incor por conta de infartos e anginas. "A poluição não causa doenças cardiovasculares. Ela pode precipitar a morte de quem já tem algum problema", explica Lin. A diferença entre um dia limpo ou poluído é logo sentida pelo garçom Cícero Siqueira, 50 anos. Com arritmia (falhas na frequência dos batimentos do coração) há quatro anos, Siqueira tem dor do lado esquerdo do peito nos dias mais poluídos. "Vem a falta de ar e sinto fadiga", diz. Além dos medicamentos que toma para o problema do coração, porém, não há muito o que fazer. "O restaurante onde trabalho fica numa rua muito movimentada, onde passam muitos ônibus. Só me sinto melhor quando chove", admite.

O médico Lin também realizou uma pesquisa anterior a essa para verificar o efeito da poluição em crianças. Ele constatou que nos dias mais poluídos, o atendimento no Instituto da Criança, em São Paulo, por problemas respiratórios (gripe, asma, rinite, bronquite e pneumonia) aumenta em até 23%. O ar poluído agrava as doenças respiratórias porque interfere nos mecanismos de defesa do pulmão e irrita a sua mucosa e a do nariz. Essa ação tem um efeito maior em crianças e idosos. "O ser humano é mais frágil nos dois extremos da vida", diz Nelson Gouveia, professor do departamento de Medicina Preventiva da USP. "Em São Paulo, entre as crianças de até cinco anos, as doenças respiratórias são a primeira causa de morte", revela.

 

Asma Foi justamente nesse fase crítica, aos quatro anos, que Isadora Campos começou a desenvolver uma asma que a conduziu pelo menos três vezes a internações em unidades de terapia intensiva. Hoje, com nove anos, a garota tem a doença sob controle e recorre à bombinha somente quando está em locais muito poluídos. "Isadora começou a ter problemas respiratórios quando nós morávamos em Goiânia, que é quente e seca. No mesmo ano, nos mudamos para São Paulo e aí ela piorou terrivelmente", conta a mãe da menina, Elizete Campos. Elizete também sofre de asma e tem planos de se mudar com Isadora para o interior do Estado. "Passamos 20 dias no Nordeste e nem eu nem ela tivemos crises de asma. Se nos mudarmos, melhoraremos muito", projeta a mãe.

Todas essas evidências científicas dos males da poluição não servem apenas para São Paulo e para as cidades grandes de modo geral. Um relatório divulgado há pouco mais de um mês pela Organização Mundial da Saúde (OMS), baseado em estudos sobre Meio Ambiente e Saúde feitos na Áustria, na Suíça e na França, revelou que a poluição emitida pelos carros nesses países mata mais gente do que os acidentes de carro. O trabalho mostrou, entre outras coisas, que a exposição prolongada à poluição nesses países causou um adicional de 21 mil mortes prematuras por problemas respiratórios ou doenças do coração em pessoas acima de 30 anos. Os acidentes de carro matam cerca de dez mil pessoas por ano.