Foi um lance de puro acaso. No começo deste ano, conversas comprometedoras de funcionários da Receita Federal em Goiás com contadores e alguns grandes empresários do Estado foram captadas involuntariamente por grampos telefônicos instalados em uma investigação da Polícia Federal. Estranhamente, os interlocutores usavam nas suas conversas sempre a expressão "BN". Eram as iniciais de Buraco Negro, jargão usado na Receita para definir a situação de empresas em situação tributária irregular e com dívidas de difícil solução. Depois da descoberta acidental, a corregedoria da Receita e a PF passaram a monitorar um grupo de auditores e ex-auditores. Com a conclusão das diligências em cerca de 20 empresas de médio e grande porte de Goiás, completou-se o desmonte de uma ratoeira que vinha funcionando na Delegacia da Receita Federal em Goiânia e causou um prejuízo ao Fisco de, pelo menos, R$ 5 milhões.

Em uma das pontas do esquema, estava Leliana Rolim de Pontes Vieira, ex-delegada da Receita Federal em Brasília, afastada do cargo depois que agentes da PF acharam em sua casa documentos que provaram o exercício de advocacia administrativa. Ao mesmo tempo que chefiava a caça aos sonegadores de impostos, Leliana prestava consultoria jurídica para empresas autuadas pela Receita. Além de Leliana, outros ex-altos funcionários da Receita estão implicados na rapinagem desbaratada em Goiás. Antônio Paulo Rodrigues Carneiro, ex-delegado da Receita em Goiânia, comandava o recolhimento de propinas entre os empresários. Junto com José Flávio Rodrigues (auditor independente), Rosemary da Costa Ramos (auditora aposentada) e Mayone Vieira Mota (genro de Rosemary), o ex-delegado da Receita chegou a ser denunciado pelo Ministério Público por formação de quadrilha. O esquema funcionava da seguinte forma: Antônio Paulo extraía do sistema eletrônico de dados da Receita informações sobre as empresas que estavam em débito com o Fisco e repassava-as para Rosemary. Em parceria com José Flávio, a auditora aposentada procurava então as empresas e oferecia seus serviços. Com o pagamento de 15% do total do débito, a situação do inadimplente era regularizada. Não havendo acerto, os empresários eram visitados pela fiscalização. Mayone era quem "fazia a ponte" entre Rosemary e os servidores da Receita.

Nas comunicações internas, os integrantes da quadrilha sempre usavam codinomes. Leliana era a "Dra. Marília"; Antônio Paulo, o "Dr. Roberto"; e Mayone, o "Dr. Freire". Já Rosemary era simultaneamente chamada de "Procuradora", "Dra. Rosângela" ou simplesmente "Rose". Ao ser interrogada pela polícia, a auditora, que ganha R$ 4 mil de aposentadoria, tentou alegar que passava dificuldades financeiras. Difícil de acreditar. Ela possui uma academia de natação, 19 lotes de terrenos na cidade de Hidrolândia (GO), um restaurante, uma sala num prédio comercial e um apartamento num bairro nobre da capital de Goiás. De quebra, apareceu numa revista local como "a única mulher que possui um Audi A6 em Goiânia".

Com a conclusão das diligências nas empresas, as investigações podem ganhar novos rumos e avançar agora sobre alguns peixes grandes. Na casa da auditora Rosemary, foi encontrada uma relação manuscrita com valores de tributos devidos pela CIPA-Industrial de Produtos Alimentares. A CIPA pertence ao grupo de empresas do ex-deputado federal Sandro Mabel, que produz as famosas " rosquinhas Mabel". Os agentes da PF acharam também um extrato de débito da TV Serra Dourada e uma planilha com os seguintes dizeres: "Equipe: 20.000, Rosem 7.500, J. Flávio 7.500, Total 35.000."