A coleta e venda de latas de alumínio deixou de ser uma alternativa apenas para os moradores de rua. Agora, trabalhadores e aposentados também vendem latinhas para complementar renda. Surgiu até a figura do intermediário e há escolas se reequipando com a reciclagem. “Essa é uma nova fonte de geração de renda para pessoas que não encontram emprego na economia formal”, diz José Roberto Giosa, coordenador da comissão de reciclagem da Associação Brasileira de Alumínio. No total, 150 mil pessoas dependem da venda de latinhas para sobreviver, colocando o Brasil em segundo lugar no ranking mundial da reciclagem de alumínio, atrás apenas do Japão. O reaproveitamento de 73% do total produzido contribui para a preservação da natureza: cada quilo reciclado economiza cinco quilos de bauxita, a matéria-prima do alumínio. Quando a produção de latas novas é feita a partir das usadas, poupa-se 95% da energia elétrica necessária para a sua fabricação.

Além de fazer bem para o meio ambiente, esse tipo de reciclagem também atenua problemas financeiros de comunidades carentes. A creche Irene Irapiranga, que cuida de 180 crianças na cidade de São Paulo, é uma das instituições que aderiram a programas promovidos por empresas do setor. Desde 1997 as crianças e seus pais são estimulados a catar todas as latinhas que encontram pela frente. Como resultado, já conseguiram uma máquina de xerox, um aparelho de fax, uma televisão de 29 polegadas e um freezer de 250 litros.

“Ao mesmo tempo em que se habituam a reciclar, as crianças se beneficiam de equipamentos que não teríamos condições de comprar”, diz a diretora da creche, Marta Junqueira. No quadro de avisos da instituição, a próxima meta está bem definida: juntar 47.450 latinhas para trocá-las por um parquinho a ser instalado no berçário. “Evitamos que essas latas acabem no córrego que atravessa o bairro”, comenta a coordenadora pedagógica da instituição, Lica Teixeira. Recentemente, o Ministério da Educação aderiu a esse tipo de iniciativa, lançando um programa de coleta seletiva em dez comunidades do Distrito Federal.

Alvo de roubo – No mercado, as latinhas são comercializadas pelo peso, sendo que 67 unidades correspondem a um quilo. Apenas no ano passado, o Brasil reciclou 86,4 mil toneladas de latas de alumínio (5,8 bilhões de unidades). Os principais responsáveis por esse desempenho são os moradores de rua e a parcela mais pobre da população. Conhecido como Vascaíno, o sem-teto Luiz Carlos Ferreira Campos, 49 anos, vive da coleta de latas, o que lhe garante em média R$ 230 mensais. Embora esteja acostumado à violência das ruas, Vascaíno não se arrisca a recolher o material em lugares de grande movimentação, como nas imediações de estádios em dias de jogos. “Sai sempre briga, pois tem muita gente catando lata”, diz. Ele conta também que a lata recolhida e amassada já virou alvo de roubo entre os moradores de rua.

Há quase oito anos no ramo, Vascaíno costumava vender para ferros-velhos, mas era lesado. A situação só mudou no ano passado, quando ele passou a negociar com a Latasa, empresa que mantém um programa permanente de reciclagem. “Na empresa é tudo certinho. No ferro-velho sempre roubam no peso”, compara.

Aos 80 anos, a dona-de-casa Maria Eugênia Espinha vai ao mesmo posto uma vez por semana, de onde costuma sair com pelo menos R$ 20. O dinheiro é fundamental para complementar seu orçamento doméstico. “Sabendo das minhas dificuldades, muitos vizinhos juntam latas para mim”, diz, explicando que seu marido está doente há mais de um ano.

Pequeno comerciante na zona norte paulista, Cisneiro Batista de Oliveira, 50 anos, também transformou a coleta de latas em uma fonte adicional de renda. Só que atua como intermediário. No bairro, ele paga R$ 1,20 pelo quilo do material. Quando tem quantidade suficiente para lotar sua Kombi – cerca de 150 quilos –, Oliveira leva as latas para um posto no centro da cidade, que paga R$ 1,55 o quilo. “Faço isso uma vez por mês”, diz. “Por menor que seja o lucro, sempre ajuda, pois tenho quatro filhos para criar”, conta.

A parcela de reaproveitamento motivada por uma preocupação ecológica ainda é mínima. As exceções são localizadas, como em Curitiba (PR), palco de um premiado programa de reciclagem desde o final dos anos 80. Há também casos isolados, como o do japonês Setsuo Miyasaka, 66 anos, dono de um restaurante frequentado pela comunidade nipônica nas imediações da avenida Paulista. Embora more no Brasil há 43 anos, Miyasaka não fala português, mas todo mês atravessa a cidade com mais de 20 quilos de alumínio em lata para repassá-los a um centro de reciclagem. O material é recolhido em seu próprio restaurante e em casas de amigos. “Sou da geração que viveu o pós-guerra, passou muitas dificuldades e, por isso, não joga fora o que pode ser reaproveitado”, comenta ele, traduzido por Midori, uma de suas filhas.