No ano passado, o escorregão do câmbio brasileiro derrubou a Argentina. Neste, nossos vizinhos estão a ponto de nos fazer tropeçar. É como no Brasil às vésperas da desvalorização de janeiro de 1999: a imprensa discute os méritos das variantes das propostas de desvalorização e dolarização, fala-se em substituição da equipe econômica, negocia-se com o FMI um “cheque especial” de US$ 11 bilhões (o nosso foi de US$ 41,5 bilhões) para fazer frente a uma possível crise de confiança. A cotação dos títulos no mercado internacional indica que, na percepção dos investidores, o risco de a Argentina deixar de honrar sua dívida externa de US$ 144 bilhões já é maior que o de o Brasil dar um calote na sua, de US$ 237 bilhões.

A causa imediata da desconfiança é o déficit público de 2000, prestes a estourar o limite de US$ 4,7 bilhões acertados com o FMI. Nos primeiros cinco meses, já atingiu 70% desse valor. O FMI avisou informalmente que aceitaria que a meta fosse ultrapassada em até US$ 300 milhões, mas consultorias privadas acreditam que o déficit vai chegar a US$ 6 bilhões.

Cada vez que a Argentina corta os gastos públicos para convencer os credores de que poderá pagá-los, o resultado acaba sendo mais recessão e mais desemprego, reduzindo a arrecadação de impostos e tornando cada vez menos sustentável a paridade do peso argentino com o dólar. Como no Brasil de 1998, o esforço de tornar a moeda artificialmente “estável” desequilibra o emprego e a produção e ameaça desestabilizar a própria sociedade.

Debaixo do colchão – Mas poucos esperam ver a Argentina fazer a mesma opção do Brasil. Lá, devido à insegurança sobre o futuro do peso, quase toda dívida de longo prazo tem sido contratada em dólares. Seria preciso decretar uma moratória geral das dívidas dolarizadas do governo, das empresas e pessoas físicas, da classe média para cima.

Mas os argentinos já viram uma moratória em 1989, quando suas aplicações em renda fixa de curto prazo foram confiscadas e trocadas por bônus de dez anos. Desconfiando do governo e dos bancos, guardam US$ 22,2 bilhões em verdinhas debaixo do colchão, bem mais que o valor dos 14,5 bilhões de pesos argentinos em circulação. E possuem US$ 59 bilhões em títulos e propriedades no exterior, quase tanto quanto os US$ 74 bilhões aplicados em bancos argentinos (sendo apenas US$ 27 bilhões em moeda nacional).

No entanto, dolarizar é mais que trocar papel-moeda: significa depender sem amortecedores nem intermediários do Fed e do mercado financeiro internacional. A economia argentina teria de se tornar competitiva da noite para o dia, cortando drasticamente custos, salários e empregos num país que já tem 15,4% de desemprego e 14,5% de subemprego e desmantelando serviços públicos que ainda dão a esse país uma qualidade de vida bem superior à média da América Latina.

Abalo no Brasil – Para nosso próprio bem, o melhor é deixar de lado nossas tradicionais rivalidades e torcer para que o Fernando de lá consiga escapar desse dilema. Até que um dia seja possível passar a um câmbio flutuante ou mesmo a uma moeda comum ao Mercosul. Se ele desvalorizar ou dolarizar agora, colocará mais produtos argentinos baratos nos supermercados brasileiros, levará a menos importações de produtos daqui e menos turistas argentinos no Brasil.

Um colapso argentino dificultaria a rolagem de nossa própria dívida e abalaria toda a América Latina, principal mercado de nossa indústria no Exterior. Pode desmontar todo o esforço de integração do Cone Sul. É difícil continuar o baile do Mercosul com o tango da conversibilidade atravessando o samba do câmbio flutuante e vice-versa, mas ainda é mais vantajoso para os parceiros do que marchar sob a ordem unida do dólar americano.