Comprar na internet é cada dia mais comum. Desde fazer supermercado ou reservar hotel no Tibete, dá para resolver quase tudo pelo computador. Não é de se estranhar, portanto, que até serviços personalizados, como a terapia, já estejam na rede. Nos Estados Unidos, a psicoterapia pela rede pode ser acessada em cerca de 200 sites. No Brasil, um grupo ainda reduzido de pessoas – dez, no máximo – pratica a terapia online, segundo a Associação Brasileira de Profissionais de Saúde Mental Online. Mas a expectativa é a de que o número de clínicas online cresça. Primeiro por causa da praticidade. E também porque esse tipo de terapia atrai quem não consegue procurar ajuda ao vivo.

Uma das poucas exigências da cyberterapia (um dos nomes pelos quais a técnica é conhecida) é a de que o paciente tenha alguma habilidade de expressar as suas emoções por escrito. Em geral, as consultas são feitas pelo ICQ, programa de conversação simultânea. Duram cerca de 50 minutos e acontecem uma ou duas vezes por semana.

A expectativa de crescimento da cyberterapia preocupa o Conselho Federal de Psicologia (CFP). Até o final de setembro, a entidade promete despejar um balde de água fria no entusiasmo dos psicólogos online. Colocará em vigor uma resolução que só autoriza a atividade se estiver dentro de projetos de pesquisa de universidades ou organizações não-governamentais. Os usuários devem ser informados de que participam de um projeto e não pagam. Hoje, o preço cobrado pelos cyberterapeutas vai desde a metade até um pouco mais do que é pago nos consultórios. Não há regras. O Conselho também vai criar um selo de qualidade para figurar nos sites de orientação psicológica (aconselhamento por período limitado que dá respostas objetivas às perguntas dos usuários) que obedecerem os critérios da entidade. “Nosso propósito é garantir segurança ao usuário pois existem aventureiros e pessoas sem preparo suficiente”, alerta a psicóloga Ana Bock, presidente da entidade.

Transferência – A terapia pela internet é ainda um território experimental. Uma das qualidades enaltecidas pelos seus defensores é a capacidade de deixar até os mais tímidos à vontade e de criar vínculos tão fortes como a terapia tête-à-tête, passando inclusive pela fase em que o paciente se apaixona pelo analista, a famosa transferência. “As pessoas falam mais rápido de assuntos que provavelmente levariam anos para surgir no consultório, como o desejo homossexual”, avalia a psicóloga Márcia Homem de Mello, do Recife. “Não há estudos que mostrem os efeitos e consequências desse tipo de tratamento”, contrapõe o psicólogo Marcus Vinicius, do Rio. Márcia criou seu site de terapia em 1999, faz sessões pelo ICQ e não atende adolescentes, pessoas que tentaram suicídio ou doenças psiquiátricas graves, como a esquizofrenia. Ela responde a um processo movido pelo CFP porque cobra consulta.

Mas há terapeutas na rede imunes ao controle da entidade porque não são psicólogos. A psicanalista online Lazir de Carvalho dos Santos, 53 anos, de Paranaguá (PR), é formada em engenharia civil e fez um curso de especialização para atuar como terapeuta. Está na rede há três anos e tem seis pacientes. “Até Freud, pai da psicanálise, foi analisado por carta”, observa. O argumento não convence os que até admitem sessões por carta, telefone, e-mail ou videoconferência em situações especiais, mas se houver uma relação amadurecida antes no consultório. “A psicanálise pressupõe a experiência emocional entre o analisando e o analista e o aprendizado que se pode obter dela. Por isso a presença física do analista é essencial”, acredita o psicanalista Júlio Frochtengarten, da Sociedade Brasileira de Psicanálise (SBP). Longe de consenso sobre a cyberterapia, a rede continuará abrigando idéias, convicções e sites terapêuticos de todos os tipos. Do outro lado da telinha, no entanto, vale o mesmo direito. O usuário deve sentir-se à vontade para pedir as credenciais que quiser (onde o terapeuta estudou, há quanto tempo atende, endereço, telefone e número de registro em entidade de classe, por exemplo).
 

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