ÍCONE Mickey foi a grande criação de Disney e inspirou artistas como Andy Warhol, na exposição

Um retrato pop de Mickey Mouse assinado pelo americano Andy Warhol é considerado obra de arte nos EUA. Por que então o próprio Mickey, criado por Walt Disney, juntamente com todos os personagens que há mais de 70 anos encantam crianças e adultos não podem merecer também o status de obra de arte? Essa é uma indagação que vinha sendo feita nos últimos anos. A resposta está sendo dada agora na exposição Era uma vez Walt Disney – as fontes de inspiração dos Estúdios Disney, em cartaz até o final de junho no Museu de Belas Artes de Montreal, no Canadá – já permaneceu cinco meses no Grand Palais de Paris. A mostra reúne esboços, pinturas, esculturas, desenhos, fotos, livros, pôsteres, trechos de filmes, modelos em grande escala dos personagens (como o boneco de madeira original de Pinóquio, descoberto há dois anos) e maquetes utilizadas em filmes (o castelo da Bela Adormecida). Todas as 500 peças foram colhidas em coleções particulares e no imenso acervo dos Estúdios Disney, em Los Angeles. E provam que Walt Disney e quaisquer de suas criações, com ou sem a chancela Andy Warhol, são mesmo obras de arte.

Há na exposição um tesouro: o primeiro desenho da Disney em longa-metragem, Branca de Neve e os sete anões (1937). Fica claro que essa personagem teve os seus traços inspirados em uma modelo de pureza e inocência da época – a atriz, ainda criança, Shirley Temple. E como a vilã da história (rainha, bruxa e madrasta de Branca de Neve) surgiu de uma mistura altamente venenosa da personagem de Lady Macbeth (criação de William Shakespeare), da estátua da rainha Uta (está na catedral gótica de Naumburg, na Alemanha) e das poses de mulher fatal feitas pela atriz Joan Crawford (estrela de Johnny Guitar). Essas e mais uma infinidade de inspirações para obras-primas, como Fantasia, Dumbo, Bambi, Peter Pan e Cinderela – a gata borralheira, integram a mostra. Mais: há a atmosfera claustrofóbica do cinema expressionista alemão de Fritz Lang e F.W. Murnau, o universo dos contos de fada dos irmãos alemães Grimm e do francês Charles Perrault, as ilustrações do francês Gustave Doré e traços da arquitetura medieval e da pintura chinesa. Tudo servia de material de pesquisa e de fonte de inspiração para Walt Disney.


FADA COM ESTIRPE A personagem Sininho, do filme Peter Pan,
teve os traços copiados da tela Iris, do inglês John Atkinson Grimshaw

Seria o autodidata Disney, nascido em Chicago e criado numa fazenda do Missouri, um poço de erudição? Nada disso. O talento acima do comum do criador de Mickey era a capacidade que ele tinha de escolher bem as suas companhias – ou seja, parceiros nos negócios. Logo no início da carreira ele desistiu de desenhar e concentrou a sua energia em desenvolver projetos e selecionar as pessoas certas para concretizá-los. Seu próximo passo foi criar uma equipe de desenhistas formada pelos melhores artistas estrangeiros emigrados para os EUA, como o suíço Albert Hurter, o sueco Gustaf Tenggren e o dinamarquês Kay Nielsen. Foi Nielsen, por exemplo, que impregnou a seqüência dedicada à Ave Maria, do austríaco Franz Schubert, com o clima romântico das pinturas do alemão Caspar David Friedrich. A ambição de Disney, que desejava levar para as telas trechos da Bíblia e dos contos árabes de Mil e uma noites, era tanta que em 1935, dois anos antes de filmar Branca de Neve, ele fez uma viagem pela Alemanha, França, Itália e Inglaterra, pondo na bagagem nada menos que 300 livros para montar um banco de imagens em seu estúdio. Uma boa parte dos títulos, especialmente os de ilustradores famosos como Doré e Ludwig Richter, também está na exposição. Outra prova de sua esperteza foi a sua associação com o pintor surrealista Salvador Dalí, que ele procurou em Hollywood quando o artista trabalhava com Alfred Hitchcock em Quando fala o coração. Dalí já havia elogiado Disney, chamando-o de o único surrealista dos EUA. Do encontro dos dois nasceria o filme Destino, sobre a historia do amor de uma bailarina por um jogador de beisebol. O filme não chegou a ser realizado, mas deu origem a uma centena de desenhos e pinturas. Desse material foi feito há quatro anos um curta de seis minutos, mais uma das preciosidades do legado de Walt Disney que certamente merecem figurar num museu.