Tarde demais. Na segunda-feira 21, às 7h45 da manhã, os quatro mergulhadores noruegueses da empresa Stolt Comex Seaway conseguiram abrir a primeira escotilha do submarino nuclear Kursk, afundado a 108 metros de profundidade no mar Barents, no Círculo Polar Ártico desde o sábado 12. Os homens-rãs deparam-se com o cenário mais temido. “Todos os compartimentos estão inundados e nenhum membro da tripulação sobreviveu”, declarou o vice-almirante russo Mikhail Motsak. O anúncio oficial da morte dos 118 marinheiros ecoou nos corações dos parentes. “Eles mataram nossos rapazes”, acusou Yekaterina Dyachkova, uma das mães dos marinheiros, que aguardava notícias de seu filho em Murmansk, base da Frota do Norte.
A raiva tomou conta de quem viu seus filhos perecerem no mar numa história dramática. “Quando nós os teremos de volta? Responda, senhor presidente!”, gritou outra mãe diante das câmeras da tevê estatal RTR ao presidente russo, Vladimir Putin. Alvo de todas as acusações, Putin tentou recuperar seu tão abalado prestígio ao encontrar-se no clube da base naval Vidiaievo com 600 familiares dos mortos. Sob a proteção de um forte esquema de segurança, o presidente reuniu-se com a viúva do comandante do submarino, Irina Belozorova. “Tenho um sentimento de plena responsabilidade e culpa por essa tragédia”, assumiu Putin.
A mídia também não perdoou o presidente. Dez anos depois do fim do comunismo, jornais e televisões que antes emitiam opiniões oficialescas não pouparam nem o novo governante do país. “Nove dias de vergonha nacional!”, manchetou o jornal Novye Izvestia. “Eles não afundam!”, ironizou o Izvestia mostrando Putin e sua entourage. A mais feroz crítica em relação ao presidente russo era a lentidão do Kremlin em aceitar ajuda dos estrangeiros. “Não deveríamos ter esperado tanto tempo para decidir se aceitávamos ou não a oferta da Noruega”, disse um pai.

As autoridades da Rússia só recorreram ao pedido de ajuda aos noruegueses e britânicos quatro dias depois do acidente. E o mais humilhante é que os homens-rãs ocidentais, com roupas especiais e descendo em “sinos” (equipamentos de resgate), acabaram realizando a operação de descida e abertura das escotilhas em menos de um dia. A justificativa da Marinha russa era a necessidade de se preservarem os segredos militares do submarino nuclear. O governador da província de Kursk, Alexander Rutskoi, disse que o motivo pelo qual os russos não queriam ninguém no fundo do mar Barents era o teste de um novo tipo de míssil. Rutskoi ainda afirmou que o número dos tripulantes até hoje não foi divulgado corretamente. “Os almirantes continuam mentindo”, disse o jornal russo Moskovski Novosti.
O Kursk realizava manobras com capacidade máxima de tripulação, um indícios de que ele estava em uma missão importante de treinamento. O Ministério da Defesa da Rússia insistiu na idéia de que a causa teria sido um choque com um outro submarino, possivelmente inglês. “Pensamos que seria um submarino britânico”, sugeriu o almirante russo Mikhail Motsak. Isso porque teriam sido encontradas peças com as cores branca e verde a 300 metros do local onde afundou o Kursk. Outra teoria teria sido a de o submarino russo teria se chocado com no fundo do oceano, depois de ter realizado uma manobra errada. As explosões captadas pelos sensores noruegueses seriam consequência de duas colisões seguidas. O almirante da Frota do Mar Negro fez duras críticas às táticas de treinamento dos marinheiros russos. “A área onde estava manobrando e afundou, com fortes ventos e correntes, era imprópria para se disparar torpedos”, disse. A hipótese mais coerente é a de que no lançamento do torpedo a proa do submarino tenha explodido, atingindo ainda outros compartimentos da belonave. Segundo o jornal militar russo Krasnaia Zvezda, o Kursk estaria usando um novo tipo de combustível que é líquido, mais barato e de muito mais alta combustão. Há ainda uma hipótese, mais sinistra, de que o submarino estaria com mísseis nucleares supersônicos.
Seja como for, por causa do peso do submarino (quase 18 mil toneladas), os trabalhos de resgate deverão levar meses e os corpos dos 118 marinheiros só poderão ser retirados em 2001, a um custo de US$ 100 milhões. Como se não bastasse, existe ainda o perigo de vazamento de material radioativo dos dois reatores nucleares, segundo a empresa norueguesa Stolt Comex Seaway. Sem tanto apoio interno, comum na era comunista e nos tempos de seu padrinho Bóris Yeltsin, Putin vai precisar de sorte para recuperar a credibilidade arranhada.