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Então chega o momento em que a alma se aquece e as contrações involuntárias se alongam por compassados segundos. Ah, o relaxamento profundo, o faiscante brilho no olhar e o incontornável sorriso no rosto. A deliciosa sensação do tempo que pára e problemas que somem. Pois a desejada oportunidade de retornar sempre ao prazer, sem culpas nem traumas, está agora ao alcance de uma geração inteira de brasileiros. Pela primeira vez, o reconforto do sexo é algo igualmente acessível a homens e mulheres, finalmente libertados da moral católica, das convenções sociais e de uma repressão histórica. Antes encarado como um prêmio da relação amorosa, a realização do desejo passou a ser direito de uma juventude que se inicia mais cedo, tem mais parceiros e se casa mais tarde.

“A grande revolução é feminina”, diz a psiquiatra da Universidade de São Paulo (USP), Carmita Abdo. “Elas fazem sexo sem estar apaixonadas.” Coordenadora do Estudo da Vida Sexual do Brasileiro, o primeiro trabalho completo sobre o tema, que ouviu cerca de sete mil pessoas em 20 capitais, em 2004, Carmita antecipou a ISTOÉ os novos resultados da atualização dessa pesquisa. E eles mostram que uma revolução está em curso. Veja o caso das meninas: em 2004, a moça que tinha entre 18 e 25 anos havia perdido a virgindade aos 17. Atualmente, ela se inicia sexualmente aos 15 anos, a mesma idade dos rapazes. Foi a mudança acelerada no comportamento delas que ajudou a modificar um costume deles. No caso dos homens, virou coisa de antigamente começar a vida sexual com garotas de programa. Consolidou-se a tendência de que a primeira relação aconteça entre colegas de escola, vizinhos ou amigos.

Paralelamente, o brasileiro vem adiando cada vez mais o casamento. Dados do IBGE mostram que a troca de alianças acontece, em média, aos 28,5 anos – eles, aos 30,2 anos e elas, com 26,8. Há apenas uma década, a geração anterior se casava, em média, com 26,1 anos. Nesta nova perspectiva de vida, em que o jovem transa pela primeira vez mais cedo e se casa mais tarde, é natural uma multiplicidade de parceiros. Mudou, portanto, a acepção do que antes se chamava “ficar”.

 

 

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“Ficar virou sinônimo de fazer sexo”, explica Carmita Abdo. “O jovem, hoje, fica com alguém e não estabelece nenhum tipo de compromisso ou vínculo. O sexo virou um prazer que ele vê como um direito e não como um prêmio de uma história afetiva construída.” Esse é o mais novo traço da liberação sexual que ocorre entre os jovens.

O paulista Ricardo Gazarra Pizone é um exemplo dessa geração. Solteiro, ele mora com os pais e sai à noite quatro vezes por semana. Diz que nunca voltou para casa sem “beijo na boca”. “Num domingo do mês passado, beijei 19 mulheres e transei com três em uma festa”, garante Ricardo, comerciante de 25 anos, que já freqüentou um motel com três garotas. Em 2005, em um carnaval fora de época, ele afirma ter beijado 53 meninas em cinco horas – uma a cada dez minutos, em média. “Não sinto nenhuma culpa por agir assim, porque jogo aberto. Digo antes que não quero nada sério.”

De acordo com o Estudo da Vida Sexual do Brasileiro, os homens entre 18 e 25 anos afirmam ter 4,2 parceiras sexuais durante um ano. Parceira sexual é mais do que uma transa de apenas uma noite, é alguém com quem o encontro teve alguma seqüência. Já as mulheres dizem ter 1,6 parceiro sexual anualmente. Se imaginarmos que essa garota começa a vida sexual aos 15 anos e se casa aos 27, ela poderá ter 19 parceiros até trocar alianças. Um quadro bem diferente do passado. Quarenta anos atrás, a moça transava pela primeira vez aos 22 anos com o namorado com quem se casaria ou, no máximo, com alguém que imaginasse ser o príncipe encantado que a levaria ao altar. Segundo os especialistas, nunca em nenhuma época da era contemporânea o sexo esteve tão desvinculado do casamento.

 

 

 

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O curioso é que essa geração nasceu e/ou cresceu diante da propagação da Aids, mas a doença não pôs um freio na multiplicidade de parceiros, como se imaginava. O jovem domina plenamente os meios contraceptivos – embora nem sempre os utilize corretamente – e a liberdade sexual cresce de forma avassaladora. “Foi mal veiculada e mal captada a mensagem sobre a Aids. Enquanto se divulgava “não transe sem camisinha”, a garotada entendia “use o preservativo e faça sexo”. Foi um convite para o sexo sem preocupação”, opina Carmita, da USP.

O ambiente erotizado da juventude de hoje favorece essa ebulição sexual. No fim dos anos 80, a nudez nas novelas e a genitália exposta no Carnaval arrepiavam muitas famílias e geravam polêmica. Hoje, ambos ganham closes cada vez mais ousados na tevê. Na internet, o jovem encontra sexo protegido, de fácil acesso e, por meio dela, também agenda encontros. Mais: para dar o toque de fantasia, uma conotação festiva, a esse encontro, pode recorrer aos sex shops, que deixaram o submundo e estão cada vez mais visíveis nas esquinas das grandes cidades.

Com tantas possibilidades, não passa pela cabeça dessa juventude unir-se a outra pessoa para ter atividade sexual ou se libertar dos pais, como ocorria antes. Com isso, o casamento deixou de ser a espinha dorsal em torno da qual se desenha uma trajetória. A jornalista paulista Denise Molinaro, 31 anos, recebeu cinco pedidos de casamento (aos 19, 22, 26, 27 e 30 anos) e recusou todos. “Quero casar somente depois dos 32”, afirma ela. “Minha mãe fica horrorizada, mas sempre pensei assim. Tenho de crescer profissionalmente, viajar, conhecer lugares e pessoas antes.”

Psicoterapeuta e professora titular em relações de gênero da Pontifícia Universidade Católica (PUC), Noeli Montes Morais é autora do livro Fica comigo para o café da manhã, que nasceu da tese de doutorado Sapos não viram príncipe, defendida por ela. “Percebi que a mulher entre 20 e 30 anos, após uma noite de amor, queria que seu parceiro ficasse para o café, mas não necessariamente para o almoço”, diz Noeli. “Significa que deseja uma relação estável até certo ponto. Porque não tem a expectativa de que o casamento, o amor se perpetuem para sempre.” Para a psicóloga Márcia Bittar Nehemy, da PUC, o jovem está reinventando novas fórmulas de manter vínculos com outras pessoas. “Quando ele diz que não quer casar, foge, na verdade, do modelo de casamento tradicional, aquele que oprime, usurpa, dá direito à herança e à divisão de bens materiais”, afirma ela, especialista em sexualidade humana. “Mas viver aos pares é visceral, algo acima da racionalidade de não querer se juntar a alguém.”

 

 

 

 

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Calcado na idealização de uma vida a dois, o amor romântico – que nasceu entre os abraços de Tristão e Isolda na Idade Média e, depois da Segunda Guerra Mundial, entrou no casamento quando desapareceu de vez o costume de os pais escolherem os parceiros dos filhos – está perdendo espaço. Para a psicanalista Regina Navarro Lins, autora do best seller A cama na varanda, cuja segunda edição acaba de ser lançada, os jovens estão mais interessados em satisfazer suas individualidades e descobrir os próprios potenciais.

Depois de oito namoros, a gaúcha Alessandra Marder deixou o romantismo de lado para priorizar uma vida mais livre, voltada para desejos e objetivos próprios, sem expectativa de um relacionamento. Solteira há mais de um ano, ela mora sozinha há seis meses e sai pelo menos três vezes por semana. Aos 29 anos, diz que não fica se “rifando, pegando todo mundo” na balada. Mas estabelece bem um dos pontos dessa nova liberação sexual dos brasileiros: “Se eu transar com um cara na primeira noite, sei que ele vai achar que eu não sirvo para namorar”, diz ela, numa referência aos velhos costumes. “Mas isso não me impede de, às vezes, sair pensando em fazer sexo na primeira noite, se pintar a oportunidade. As mulheres querem ser assim mas não assumem”, completa, indicando a nova postura.

Com tantas transformações em curso, como será, então, a família do futuro? Para Regina Navarro Lins, um filho poderá crescer sem a figura do pai e da mãe sob o mesmo teto e ter irmãos em casas diferentes. “E eu não acredito que a família será regida pela exclusividade sexual. Um casal poderá estar ligado por questões afetivas, profissionais, familiares, e ter uma vida amorosa se multiplicando com outras pessoas”, afirma Regina, que conhece homens e mulheres que já convivem dessa forma.

A escritora observa ainda que mesmo os pares que estão juntos sob um pacto de fidelidade toleram cada vez mais uma relação extraconjugal. “A mulher está separando sexo de amor, como o homem sempre fez. E ele está enxergando isso”, afirma Regina. “Depois de sete anos de casamento e dois filhos, uma paciente minha transou com um homem numa viagem a trabalho. O marido ficou chocado, mas sua preocupação era se a esposa estava envolvida emocionalmente com o outro. Não pensou em separação, não a chamou de vagabunda, nada disso.”

 

 

 

 

 

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A psicoterapeuta Noeli Morais afirma que os cônjuges, atualmente, tendem a discutir o ocorrido com o intuito de descobrir o sentido da infidelidade. “Não vou terminar meu relacionamento só porque minha parceira ficou com outra pessoa. Sinto um ciuminho, mas isso não interfere”, diz o web designer carioca Rafael Dias, 24 anos. A namorada dele, a modelo Aline Figueiredo, 28, trocou beijos com duas outras pessoas nesses dois meses em que estão juntos. Rafael divide um apartamento com Aline, com quem espera construir uma história feliz. Não enxerga a infidelidade dela como uma mancha e segue firme com o relacionamento. “É mais valioso o que sentimos um pelo outro. Não pode é haver possessividade”, opina ele. É mais um traço dessa liberação sexual dos brasileiros. Na primeira grande revolução, na década de 60, o sexo trazia consigo um discurso de contestação, ruptura ou independência em relação à família, à religião ou à sociedade. Agora, a geração desejo o enxerga de um jeito bem direto: sexo existe para dar prazer.

Agradecimentos: Modelos: Paula Millen e Rodrigo Piva – Produção: Frida Abrahão e Braga Junior – Fundo grafitado por EduArtes