Daniel do Carmo, 19 anos, trabalha em um posto lava-jato no centro de Belo Horizonte. Na terça-feira 22, entrou em uma loja de máquinas caça-níqueis. Eram 16h30 quando Daniel se viu cercado por dezenas de policiais e promotores de Justiça. Ele e outras 25 pessoas, detidas por 60 PMs e cinco promotores da operação, são a ponta mais frágil de uma guerra do Ministério Público (MP) estadual contra as maquininhas de jogo que invadiram Minas Gerais em consequência de uma série de trapalhadas e atos suspeitos da Loteria Mineira, autarquia do Gabinete Civil do Palácio da Liberdade.

Tudo começou em janeiro de 1998, quando a Loteria Mineira contratou sem licitação a Ivisa – associação entre a argentina Empresa Internacional de Valores e a uruguaia Starfield Consulting – para explorar as máquinas em troca do repasse de 11%. Passo seguinte do negócio: a Ivisa repassou à Jogobrás, uma subsidiária, a exclusividade de explorar o jogo a partir de maio de 1999. Estima-se a existência de 45 mil caça-níqueis no Estado. Grande parte foi comprada da Tailândia antes de a Receita proibir a importação.

Em 5 de agosto de 1999, a Jogobrás fez uma carta de intenções propondo criar um selo para legalizar cada máquina a uma taxa de R$ 300 por mês. A Jogobrás ficaria com 49% da arrecadação para credenciar e fiscalizar os caça-níqueis. Em apenas quatro dias, a idéia foi aprovada. Denúncias de favorecimento na cúpula da Loteria não tardaram a chegar ao MP. O promotor Antonio Tonet encaminhou à Justiça uma ação civil pública contra três dirigentes, incluindo o então presidente, Márcio Tadeu Pereira. Em 3 de abril de 2000, a juíza Heloísa Helena Combat, da 3ª Vara de Fazenda Pública, quebrou os sigilos bancário, fiscal e telefônico dos denunciados, tornou os seus bens indisponíveis, afastou a diretoria, suspendeu os contratos e a resolução que criou os selos e proibiu novas autorizações.

Munição – Na mesma ocasião da liminar, o governo de Minas tomou uma iniciativa que vem municiando os donos de caça-níqueis. O governador Itamar Franco nomeou o procurador aposentado Antônio Francisco Patente para a presidência da Loteria. No escritório de advocacia de Patente trabalha a mulher de Tonet, a advogada Andréa. Tonet é autor da denúncia que derrubou o presidente anterior da autarquia.

Segundo o presidente da Aedeiol, a associação dos empresários do setor, Celso Schill, 483 empresas criam 90 mil empregos em Minas. De posse de laudos da polícia atestando que algumas máquinas não são de jogos de azar, Schill reivindica que o MP analise caso a caso. “O promotor denuncia, derruba o presidente da Loteria e indica o sócio da mulher dele. O MP está abusando de sua autoridade. Não reconhece laudos nem liminares contrárias às apreensões”, acusa Schill. “Nosso escritório nunca atuou para o Estado, para contraventores nem para bicheiros”, defende-se Patente. “Eu já contava com ataques de quem não tem argumento para defender a contravenção”, reage o promotor Tonet.

O promotor Mário Conceição, que coordena as ações de apreensão das máquinas, diz que o MP vai investigar os laudos periciais. Segundo ele, o Brasil tem problemas demais para fazer vista grossa para os caça-níqueis. Ele refuta a tese de que precisa de mandados judiciais para as apreensões. “É um flagrante como outro qualquer e o jogo de azar é contravenção desde 1944”, diz. Quando o escândalo estourou, a Loteria revogou a resolução do selo e, na gestão de Patente, proibiu as máquinas, que entre setembro de 1999 e março deste ano reforçaram com R$ 9 milhões a arrecadação da Loteria, que hoje é de R$ 2 milhões mensais. Algumas liminares foram concedidas aos caça-níqueis, outras indeferidas. Já há duas decisões de mérito no Tribunal de Justiça em favor do MP. A polêmica chegou ao STJ e ao STF, com pedidos da Loteria para derrubar liminares pró-caça-níqueis.

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