09/02/2000 - 10:00
Os últimos 15 dias foram, obvia-mente, os piores no curto período de Henri Philippe Reichstul à frente da Petrobras. O vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo provocado pela empresa Petrobras na Baía de Guanabara obrigou o presidente da gigante estatal a fazer uma radical correção de rota. O acidente, ocorrido no último dia 18, fez com que Reichstul, 50 anos, acordasse para a realidade e concluísse que a questão ambiental vinha sendo tratada de forma amadorística pela maior empresa brasileira. Em consequência disso, Reichstul afirma que está avocando para si a responsabilidade de toda a área ambiental da Petrobras. “A Petrobras tem excelência de águas profundas, precisamos conquistar também excelência ambiental. Só assim seremos reconhecidos internacionalmente como uma empresa de excelência empresarial.” O executivo garante que seu discurso vai além de palavras bonitas e ecologicamente corretas. “Precisamos ter uma política ambiental impecável.”
Ex-sócio de João Sayad numa empresa de consultoria e ex-vice-presidente executivo do Banco Inter America Express, Reichstul foi indicado há dez meses para comandar a empresa nesta fase de transição da estatal. Jamais imaginou que se veria às voltas com o maior acidente ecológico já provocado pela companhia nas suas quase cinco décadas de vida. Reichstul preferiu não dar ouvidos aos boatos de que estaria sendo alvo de fritura. Cinco dias depois do acidente, resolveu dar a cara a tapa. Gravou um anúncio na tevê admitindo a responsabilidade da empresa e prometendo arcar com todos os prejuízos. A atitude foi vista com bons olhos no Planalto e rendeu-lhe um elogio do presidente Fernando Henrique.
Enquanto espera a conclusão do relatório final sobre as causas do acidente, Reichstul teve mais uma semana atribulada. Entre uma reunião e outra, teve de depor na Assembléia Legislativa do Estado do Rio e no Senado Federal. Continuou em negociações com seus técnicos para definir o valor das indenizações que serão pagas às populações diretamente prejudicadas pelo vazamento. E contratou ainda consultores externos para ajudá-lo neste momento de crise. Depois de muitas noites maldormidas, Reichstul está convencido de que há males que vêm para o bem. Ironicamente, o acidente da Petrobras acabou obrigando a empresa a rever suas práticas e decidir cuidar com mais respeito o meio ambiente. Falando a ISTOÉ no início da semana, o presidente da Petrobras prometeu promover uma revolução ambiental na companhia. Como promessa é dívida e o compromisso de Reichstul é público, o patrulhamento neste caso será bem-vindo e a natureza agradece.
O relatório preliminar feito por uma das três comissões instauradas dentro da empresa para estudar o acidente concluiu que houve o rompimento de um duto associado a uma falha operacional, o que impediu o operador de detectar o problema. Só daqui a 30 dias teremos o relatório conclusivo. Aí, sim, poderemos dizer se houve um problema no projeto, na instalação ou mesmo na montagem deste duto. Ou ainda se o problema foi no sistema de controle de dutos. Posso garantir que não houve negligência por parte da Petrobras.
A Petrobras tem 12 mil quilômetros de dutos. O último acidente grave ocorrido na empresa foi em 1997. Nos últimos três anos, começamos a implantar uma nova tecnologia de sistema de alarme de vazamento em tempo real. Praticamente 75% dos nossos dutos já estavam operando com este novo sistema. Como a nossa rede adutora é muito grande, começamos o trabalho de instalação deste sistema de controle pelos dutos mais velhos. O duto que sofreu o acidente é relativamente novo, tem apenas nove anos de operação. Se o acidente do último dia 18 tivesse ocorrido daqui a 50 ou 60 dias, provavelmente todo o sistema de controle já estaria instalado e teríamos tido condições de detectar o vazamento a tempo.
Não sou engenheiro, mas posso dizer que existia um outro sistema de controle ambiental sendo usado. A Petrobras é uma empresa responsável, espero que ninguém imagine que a companhia vinha movimentando petróleo colocando em risco a sociedade brasileira.
Não esperava ter de enfrentar um acidente destas proporções. Foi um vazamento muito grande, que provocou uma enorme agressão ao meio ambiente. Fiquei surpreso sim e acho que qualquer presidente de empresa ficaria assustado com um acidente deste porte.
Precisamos esperar os relatórios finais das comissões, só assim poderemos dimensionar o tamanho da responsabilidade da empresa. Mas posso afirmar que vamos tirar muitas lições deste acidente. A mais importante é que precisamos promover uma revolução ambiental dentro da Petrobras. Além da nossa já conhecida excelência tecnológica em águas profundas, precisamos atingir um alto nível de excelência ambiental. Precisa ficar claro que o fato de termos excelência tecnológica não significa dizer que a Petrobras tem excelência empresarial.
Estamos ainda esboçando algumas propostas. Mas posso antecipar, por exemplo, que provavelmente o fato de a Petrobras estar há nove anos sem contratar novos funcionários tem feito com que a empresa não absorva recém-formados com uma visão mais atual e moderna da questão ambiental. Precisamos incorporar na cultura e nas práticas de procedimento de toda a companhia essa variável ambiental. Temos ainda a intenção de adotar um sistema de remuneração vinculado a resultados operacionais. Talvez seja o caso incluir nesta pontuação a variável ambiental. Com este acidente, avoquei para mim a diretoria de meio ambiente.
Ainda não temos isto levantado. Tomamos uma decisão de que vamos fazer investimentos adicionais emergenciais na área de meio ambiente. Precisamos nos adequar uniformemente em toda a companhia a padrões de excelência ambiental. Na Bacia de Campos, por exemplo, são 32 plataformas de produção e mais 21 de exploração e não se vê uma única gota de óleo no mar. E olha que lá nós manuseamos diariamente cerca de 160 milhões de litros de óleo. Precisamos uniformizar esta excelência ambiental para toda a companhia.
Acho que não. Dado o tamanho do acidente, considero que a Petrobras conseguiu conter a catástrofe. A empresa reagiu ao acidente. Importamos cerca de 20 mil bóias, conseguimos preservar a parte central da Área de Proteção Ambiental de Guapimirim. Já retiramos praticamente todo o óleo que estava na baía, um total de 453 mil litros de óleo.
Tecnicamente não era necessário trazer tantas bóias como fizemos, mas não queria correr mais riscos. Participei pessoalmente desta decisão de trazer mais bóias do que o necessário. Foi uma decisão minha, pessoal. Já havia um entendimento claro de que a mancha de óleo não iria se deslocar para as praias da zona sul, mas a população estava assustada, insegura. Era obrigação da Petrobras dar uma segurança emocional, quase que subjetiva, de que aquilo não iria acontecer. Já tínhamos causado danos suficientes ao meio ambiente e, especialmente, à Baía de Guanabara. Não queríamos aumentar ainda mais a angústia da população do Rio de Janeiro.
Estamos esperando o governo do Estado concluir a avaliação do dano ambiental que a Petrobras causou. Quem sabe o desastre não tenha sido tão grande assim. Ainda não sabemos, por exemplo, se a água foi ou não afetada. Sabemos, pelo menos, que não houve um alto índice de mortalidade de peixes – o que já é uma boa notícia.
A demissão não foi em represália ao acidente. A demissão foi no sentido de que estou trazendo para mim a responsabilidade da área ambiental da companhia. Até hoje, a área de meio ambiente da Petrobras não vinha recebendo a sua devida importância. Faltou uma visão corporativa da questão ambiental. Estamos contratando, por exemplo, empresas de consultoria internacionais para nos ajudar a rever todo o procedimento ambiental da Petrobras. Todas as grandes companhias que já foram responsáveis por acidentes deste tipo tiraram lições do ocorrido e montaram salas de emergência para momentos de crise. Os melhores exemplos são a Shell e a British Petroleum. Quem sabe não precisaremos montar uma Swat para ser acionada em casos de acidentes. Deslocamos cerca de 35 funcionários para cuidar única e exclusivamente deste acidente. Somos responsáveis por ele e vamos arcar com todas as consequências.
A Reduc não é nenhuma bomba-relógio prestes a explodir. O fato de a Reduc trabalhar sem licença não significa que a empresa esteja totalmente irregular. A refinaria foi construída em 1961 e a legislação ambiental foi aprovada praticamente 20 anos depois. Três dias antes do acidente, tínhamos uma reunião marcada para assinar o termo de ajustamento da Reduc. O documento acabou não sendo assinado. Acredito que esta imagem de ilegalidade acabou vindo à tona com o acidente. Mas quero deixar claro que a Petrobras nunca deixou de pagar uma única multa dentro do prazo legal. Só que a lei nos facultava o direito de recorrer das multas. Talvez seja o caso, a partir deste acidente, de repensar este comportamento e passar a não recorrer mais das multas. Mas a verdade é que a maior empresa brasileira não vive na ilegalidade.
A Petrobras já é hoje a empresa brasileira que mais gasta em investimentos ambientais. São cerca de R$ 200 milhões anuais. Não temos nenhum problema em mostrar onde e como estamos gastando este dinheiro investido anualmente. Nosso objetivo é dar a maior transparência possível aos gastos ambientais. É importante que a sociedade saiba que a Petrobras está fazendo de tudo para evitar novos acidentes. Se este acidente servir para aumentar a consciência ambiental do País, estamos dispostos a pagar este preço. Não vamos fazer nenhuma maquiagem para esconder o acidente.
É inegável que o País ainda está caminhando na construção da sua consciência ambiental. Acredito que este avanço se dá de várias maneiras: tanto pela educação como, também, através de um acidente deste tipo. Tenho certeza de que este acidente vai mudar o patamar da consciência ecológica do Rio de Janeiro e do País. Posso garantir que estamos tentando tirar o máximo de proveito deste acidente. Nosso maior desafio agora será transformar a Petrobras numa empresa de excelência empresarial.