José Lewgoy completará 80 anos em 16 de novembro. Com mais de cinco décadas de carreira, ele estreou como ator no Teatro do Estudante do Rio Grande do Sul e cursou Artes Cênicas na Universidade de Yale no final dos anos 40, com uma bolsa de estudos que conseguiu graças a uma indicação do falecido escritor Érico Verissimo. Desde então fez várias comédias com Oscarito e Grande Otelo como Carnaval no fogo e Aviso aos navegantes. Na França, onde viveu de 1954 a 1964, atuou em quatro filmes, entre eles S.O.S. Noronha, com o grande ator francês Jean Marais. Já no Brasil, trabalhou com Glauber Rocha em Terra em transe; participou em Swarta palmkronor, produção sueca na qual contracenou com Max von Sydow e Bibi Anderson; filmou com Werner Herzog Fitzcarraldo e Cobra Verde; e participou do primeiro filme de Demi Moore, realizado em território brasileiro, Blame it on Rio, de Stanley Donen.
Ao longo de sua carreira, o ator nascido em Alfredo Chaves, hoje Veranópolis, Rio Grande do Sul, participou de 100 filmes – 84 brasileiros e 16 estrangeiros, em que na maioria era o vilão –, 23 novelas e algumas poucas peças de teatro, que, segundo ele, erradamente fez tão pouco. Não à toa, ele aparece no site Internet Movie Database (www.IMDb.com), que traz informações sobre o cinema mundial, com um número de citações maior do que qualquer outro brasileiro. Recém-afeito ao mundo da internet, José Lewgoy fez questão que a conversa com ISTOÉ fosse por e-mail.

ISTOÉ – Num balanço de seus quase 80 anos, quais dos seus trabalhos você destacaria como os mais importantes?
José Lewgoy –
Comemorar 80 é assim importante? O que há de oitentões por aí pode surpreender muita gente. E os noventões? Ah, sim. Se me sinto realizado nesta longa carreira? Se eu vivesse nos Estados Unidos estaria jogando golfe ou teria dado um tiro na cabeça, de pura chateação. Aqui, não sei. A gente está sempre começando de novo. O que destaco? No cinema, Fitzcarraldo, é claro, mais do que um filme foi a “grande aventura” da minha carreira, na companhia de dois loucos magníficos como (Werner) Herzog e (Klaus) Kinski. No teatro, que erradamente fiz tão pouco, O peru, de Feydeau, e O jardim das cerejeiras, de Tchecov, e, enfim, na televisão O rebu, Nina, Feijão maravilha, Anos dourados, Louco amor, Força de um desejo – Gilberto (Braga), sempre Gilberto….

ISTOÉ – De onde vem a tua fama de temperamental e mal-humorado?
Lewgoy –
(Mário) Quintana dizia que eu era temperatural e não temperamental. A mediocridade rompante e vitoriosa que está por aí misturou reclamação com constatação. O rigor no cuidado que tenho com meu trabalho e aquele monstro de olhos verdes, de que fala Shakespeare, fizeram o resto.

ISTOÉ – Quando você filmou com Glauber Rocha sabia que Terra em transe seria um grande filme?
Lewgoy –
Você está brincando? Todo mundo já havia determinado isso. Glauber era genial e não se cansava de deixar isso bem claro para todo mundo. Minha relação de trabalho com ele foi tempestuosa, mas deu certo.

ISTOÉ – Sabe-se que você também tem um grande talento como jornalista e escritor. Está escrevendo uma autobiografia neste momento?
Lewgoy –
Quando ouço falar em autobiografia tenho vontade de puxar o revólver e me dar um tiro. Mas há um livro de memórias prometido a toda hora, do qual já escrevi seis linhas e o esboço de um prefácio.

ISTOÉ – Como foi seu trabalho com Werner Herzog e Klaus Kinski?
Lewgoy –
Herzog e Kinski brigavam muito. Era um relacionamento maluco deles. Kinski, cheio de raiva, queria se vingar de Herzog por ter chamado Jason Robbards em primeiro lugar para o papel. Isso, mais a locação na selva numa região que os mapas diziam pouco explorada, e as idas e vindas para gravar minhas novelas, era uma festa.

* Cláudio Kahns é produtor cinematográfico