Quem não sofreu com uma daquelas horríveis cãibras que atacam inesperadamente durante o sono ou no meio de um esforço físico? Quando os músculos enrijecem a dor é tanta que assusta. Foi assim que Gustavo Kuerten se sentiu no meio da partida contra o francês Jerome Grosjean, em Pau, na França, pelas quartas-de-final da Copa Davis. Suas pernas, braços e mão direita doíam tanto que chorou de dor e medo. Guga chegou a perder a concentração, mas não a vontade de ganhar. Apesar das dores, ficou na quadra quase cinco horas, arrancando a vitória debaixo dos narizes de 15 mil franceses. O lado triste da história é que teve de voltar à quadra em menos de 24 horas para jogar e perder uma tensa e decisiva partida de duplas. No dia seguinte, lá estava ele para outra partida de simples, na qual sua derrota significou a eliminação do Brasil da Davis. Está certo que o garoto gosta de uma emoção ou não seria tenista, mas parece que as coisas fugiam um pouco ao seu controle. Três dias depois da maratona em Pau, Guga voltou às quadras para defender seu título em Stuttgart, abandonando a partida no primeiro set. Alegou que, à parte do cansaço físico, não sentia nenhuma energia ou vontade por dentro. Saiu também do torneio seguinte, pegou o avião e foi para casa olhar o mar, namorar e comer a comida de sua mãe, dona Alice.

Pete Sampras, número 1 do mundo há cinco anos, vem afirmando que a Davis deveria ser jogada, no máximo, a cada dois anos. Por isso, volta e meia se recusa a participar. O pessoal da Federação Internacional não quer ouvir falar em modificar o formato de seu maior evento. Outros tenistas podem pensar algo parecido, porém preferem apenas ouvir. Mas na maioria dos países, o Brasil inclusive, a Davis é a grande hora do tênis e, um tenista não defender sua pátria, é assinar sua própria sentença de morte. A administração da carreira de um tenista é assunto delicado. Sampras tem claro suas prioridades para se manter no topo do ranking. Mesmo assim sofreu contusões que o atrapalharam, como ouviu acusações ufanistas de McEnroe por sua ausência na Davis. Para participar dos três dias de jogos de uma rodada na Davis um tenista como Gustavo Kuerten, número 5 do mundo, pode sacrificar de três a quatro semanas. Se estiver bem ranqueado, ganharia em média US$ 200 mil semanais. Para ser campeão tem de passar por quatro confrontos em um ano. Logo, pode custar caro defender o País. Mas o que Guga perde é mais do que dinheiro, que afinal de contas vai buscar de novo, e nunca foi a razão que faz um campeão entrar numa quadra. No ano passado, saiu emocionalmente arrasado do confronto Brasil e Espanha, em Porto Alegre, quando esteve mais tempo na quadra, com um desgaste físico maior do que no rápido carpete da França.

Passou então pelo inferno de uma auto-imposta culpa por não ter dado a vitória ao Brasil. Sua confiança despencou, causando muitas derrotas nas semanas seguintes. Sem saber como lidar com novas e altas frustrações, acabou ouvindo, e acreditando, em soluções efêmeras. Em Pau, não conseguiu passar pela primeira partida sem sofrer um raro "breakdown" físico, provavelmente com algum fundo emocional. Guga já afirmou, mais de uma vez, que a Davis é uma de suas prioridades. Resta saber como vai administrar sua carreira e as exigências por vitórias a cada semana, a luta para se manter no topo do ranking e ainda vencer a Davis para o Brasil.

Paulo Cleto é ex-técnico do Brasil na Copa Davis