para um músico tradicional, daqueles que lêem partitura, cultivam o erudito, o jazz ou até mesmo o pop-rock inflamado por guitarras, baixo e bateria, é muito difícil se render ao artificialismo do som eletrônico "executado" através de samples, trechos extraídos de canções alheias pelas mãos ágeis dos DJs. Só que a música de final de século é assim. Não há como contestar, gostando ou não. Dentro deste universo, no entanto, há raras, raríssimas exceções de artistas, que, sem medo de não estar sob o peso de uma formação musical acadêmica, investiram e se destacaram no caminho dos teclados e outras parafernálias com tamanha criatividade que se transformaram em gênios do gênero. O grupo inglês Morcheeba é um exemplo, o outro é o DJ nova-iorquino Moby, que chamou a atenção desde que surgiu em 1991 com o single Go, sampleado da trilha sonora da soturna e fantástica série televisiva Twin Peaks. Mas agora Moby se superou em Play, seu quarto álbum.

Ele que sempre se destacou no mundo tecno por trazer elementos do rock, no momento surpreendeu e polemizou a legião de fanáticos pelo batuque digital gravando um belíssimo disco baseado em jurássicas gravações de blues e gospel afro-americanos encontradas no interior dos Estados Unidos pelos pesquisadores John e Alan Lomax. E aí que o magrelo careca, cristão, vegetariano discursivo exibe sua genialidade ao resgatar, com todos os chiados e barulhos, as mais legítimas vozes do lamento negro. Em Find my baby, por exemplo, ele trouxe à tona o cantor Boy Blue, adicionou os próprios vocais e os de Pilar Basso, misturou guitarra, digitalizou tudo e moldou uma canção inesquecível. Why does my heart feel so bad? ressuscitou o canto do Shining Light Gospel Choir incorporado a piano e cordas com resultado arrepiante. Não se sabe se o nome artístico do DJ de 33 anos, tirado do título do livro Moby dick, de Herman Melville, de quem ele descende – na verdade Moby se chama Richard Melville Hall –, foi pensado porque seu trabalho é tão devorador quanto a enorme baleia descrita na ficção. Mas o efeito devastador, sem dúvida, é proporcional.