Os trechos de carta publicados na capa desta edição de ISTOÉ são os fragmentos dramáticos de uma tragédia. Escrita na terça-feira 22 pelo diretor de redação do jornal O Estado de S.Paulo, Antonio Pimenta Neves, antes de entrar em coma por excesso de tranquilizantes, ela é dirigida às suas duas filhas gêmeas que moram nos Estados Unidos. No domingo 20, Pimenta, 63 anos, matou com dois tiros de revólver calibre 38 sua ex-namorada, a jornalista Sandra Gomide, 32 anos. O primeiro tiro atingiu as costas de Sandra e o segundo, à queima-roupa, o ouvido.
A notícia aterrissou como um raio nas redações de jornais, rádios e tevês na tarde de domingo, causando perplexidade e revolta. Pouco acostumados a manusear suas próprias feridas, os jornalistas mergulharam em reuniões de alto comando para decidir que tratamento dar ao caso. Na segunda-feira, o Estadão publicou a notícia com discreta chamada no pé da primeira página. Seu concorrente, a Folha de S.Paulo, no qual Pimenta já trabalhou, veiculou o fato com um currículo laudatório do jornalista sob o título “Pimenta Neves tem currículo notável”. Ambos o trataram como suspeito do crime. Já O Globo considerou Pimenta culpado e não poupou espaço nem adjetivos para o episódio.
A história da tragédia, contada a partir da pág. 100 por Madi Rodrigues, Mário Simas Filho e Sara Duarte, mostra que o desfecho veio se desenhando impunemente, enredando seus dois personagens numa teia construída com os fios da insensatez e, principalmente, da arrogância e da prepotência que o exercício equivocado do poder produz.

Hélio Campos Mello, Diretor de Redação