DIVULGAÇAO

MIOCÁRDIO Shulamit “fabricou” células do principal músculo do coração

A produção de órgãos humanos em laboratório com as famosas células-tronco é um dos projetos mais acalentados pela medicina na atualidade. Encontradas em embriões e na medula óssea, essas células se transformam em vários tecidos usados pelo organismo para fazer de tudo, de ossos a pele. Uma parte desse sonho, o de criar um coração completo, está mais próxima de se tornar realidade. Há poucos dias, o cientista britânico Madgi Yacoub anunciou a primeira safra de válvulas idênticas às naturais que cumprem, no coração, a função de bombear o sangue. Elas foram construídas com células-tronco extraídas da medula óssea e também com algumas substâncias que o organismo é capaz de assimilar sem risco de rejeição (leia mais no quadro ao lado). Foi a primeira vez que se conseguiu reproduzir uma parte complexa do coração e suas funções em um laboratório.

A equipe chefiada por sir Yacoub – ele recebeu o título da rainha inglesa por suas inestimáveis contribuições à medicina – trabalhou dez anos no Centro de Ciências Harefield, em Londres, para dar forma à válvula. No final deste ano, ela será testada em animais com problemas cardíacos induzidos pelos médicos. Se tiver bom desempenho, sua eficácia e segurança serão avaliadas em seres humanos. Otimista com as perspectivas, o cientista Yacoub estima que, em dois ou três anos, as suas válvulas fabricadas por engenharia genética substituirão as usadas hoje, feitas de metal ou de material biológico tirado de suínos e de partes do coração bovino. Com os modelos atuais, a chance de rejeição persiste, apesar dos tratamentos de purificação para eliminar o DNA dos animais e doadores. Isso inviabiliza a cirurgia para crianças com até quatro anos, fase em que a reação a tecidos estranhos ao organismo é mais intensa. A tecnologia anunciada pelos britânicos promete solucionar o problema.

Outro desafio que pode ser superado com a invenção é o tempo de duração das próteses. “As válvulas de material biológico duram cerca de nove anos. Depois, precisam ser trocadas”, explica o cardiologista Altamiro Dias, diretor do banco de homoenxertos do Instituto do Coração. Ele vai inaugurar um novo laboratório de pesquisas dedicado ao assunto. “O trabalho de Yacoub é um avanço muito importante. As válvulas feitas com células-tronco do próprio paciente, além de reduzir os riscos de rejeição, poderão funcionar perfeitamente pelo resto da vida”, observa Ricardo Pavanello, chefe da Cardiologia Clínica do Hospital do Coração de São Paulo. “Mas é necessário esperar o final dos testes com humanos para comprovar sua viabilidade e segurança”, completa ele.

Outro passo em direção à produção de partes do coração com células-tronco foi dado em Israel. A cientista Shulamit Levenberg, do Instituto Technion, um grande centro de ensino e pesquisas na cidade de Haifa, conseguiu “fabricar” as células do principal músculo do coração, o miocárdio, usando células de embriões. Em seguida, ela e sua equipe estimularam células da mesma fonte a evoluir para um tipo de tecido que forma os vasos sangüíneos. Desse modo, engendraram uma espécie de microcirculação nas recém-criadas células de miocárdio.

A descoberta de Shulamit, que será avaliada em animais, representa um avanço para melhorar a aceitação de eventuais enxertos para recuperar áreas do coração. “O método poderá ser aplicado futuramente durante o infarto, para impedir que a falta de irrigação sangüínea danifique áreas do músculo e também para recuperar regiões lesionadas”, afirmou a cientista Shulamit a ISTOÉ. Durante o ataque cardíaco, os tecidos que ficam sem irrigação morrem e não há como recuperá-los. “Sem dúvida, há muitos avanços, mas ainda será necessário esperar até que sejam tratamentos seguros”, avisa o cardiologista Antônio Carlos Carvalho, coordenador de Pesquisa do Instituto Nacional de Cardiologia, no Rio de Janeiro. Que a espera não seja longa.

"Além de reduzir a rejeição, essas válvulas poderão funcionar pelo resto da vida" RICARDO PAVANELLO, chefe da Cardiologia Clínica do Hospital do Coração de São Paulo