Procurador eleitoral critica excesso de legendas, mas praticamente garante que a Rede de Marina Silva será aprovada

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RISCO
Para o procurador eleitoral Eugênio Aragão, a
fragmentação de legendas é perigosa para a democracia

Escalado para zelar pelo andamento da campanha de 2014, o vice-procurador-geral eleitoral Eugênio Aragão passou os últimos dias às voltas com a documentação da Rede de Sustentabilidade, que pode garantir um lugar para Marina Silva na sucessão presidencial. Embora tenha feito, inicialmente, várias objeções aos documentos oferecidos pela Rede, o vice-procurador mudou de postura depois que outras duas legendas com problemas nas listas de apoio tiveram registro assegurado pelo TSE, o PROS e o Solidariedade. “Não seria razoável apertar o garrote contra Marina Silva. A perspectiva é de um parecer a favor”, diz. Um dos mais eruditos integrantes do Ministério Público, Eugênio Aragão teve seu nome lembrado numa das últimas listas para possíveis ministros do Supremo Tribunal Federal. Apesar de praticamente garantir a criação da Rede de Marina, em entrevista à ISTOÉ, Aragão lamenta o número excessivo de partidos no País. Para ele, ao decidir que um partido novo terá direito ao tempo de televisão de seus filiados, o TSE criou um incentivo para a formação de novas legendas. “Isso é um estímulo à infidelidade, à cooptação de novos parlamentares. Essa fragmentação é perigosa para a democracia. Estamos criando partidos que não têm a mínima chance de chegar ao poder, que é a essência da atividade política. Servirão apenas à penumbra política”, afirmou.

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"Não é razoável apertar o garrote contra a Marina Silva.
A perspectiva é de um parecer a favor de seu partido”

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“No impeachment do Collor os procuradores eram tratados
como deuses. Entravam no MP pensando em ser xerifes"

ISTOÉ

O sr. acredita que a Rede de Sustentabilidade, o partido de Marina Silva, deve ser legalizada pelo TSE? 

Eugênio José Guilherme de Aragão

Depois que outros dois partidos, que também apresentavam problemas com seus apoiadores, receberam parecer favorável do Tribunal Superior Eleitoral, não me parece razoável apertar o garrote contra a Marina Silva. Não há denúncia de fraudes contra o partido dela. O problema é o número insuficiente de apoiadores, que ainda não atingiu o mínimo necessário. Mas ela já disse que enviou novas listas de apoiadores. Agora será feito um novo balanço. A perspectiva é de um parecer a favor. 

ISTOÉ

Não é estranho esperar até o último dia do prazo legal para definir quais partidos poderão lançar candidatos em 2014? 

Eugênio José Guilherme de Aragão

Parece uma manifestação do costume brasileiro de deixar tudo para a última hora, como se faz na declaração de renda. A dificuldade enfrentada agora foi criada na época em que o Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo, lançou o PSD. Até então, os tribunais regionais recebiam as listas de apoiadores de cada cartório e produziam um certificado que era entregue ao TSE. Mas, quando o PSD foi criado, os tribunais regionais estavam em greve e o Kassab foi autorizado a mandar os certificados dos cartórios diretamente para Brasília, abrindo um precedente. 

ISTOÉ

O que mudou com isso?  

Eugênio José Guilherme de Aragão

A Justiça eleitoral perdeu um filtro. As listas recebidas contêm uma única informação, que é o registro eleitoral de cada apoiador. Às vezes não há sequer o nome do eleitor. Isso quer dizer que se a mesma pessoa tiver dois números eleitorais, pode ser contada duas vezes. Pelo sistema anterior, os dados eram conferidos pelos tribunais regionais. Agora, o TSE recebe listas que não têm a menor condição de conferir, pois são dados de milhares de cartórios do País inteiro. 

ISTOÉ

Os partidos deveriam ser aprovados mesmo assim? 

Eugênio José Guilherme de Aragão

É claro que a chance de encontrar bigode de rato e asa de barata é muito grande. Mas o registro é um ato administrativo, não é um ato jurisdicional. Quer dizer que o partido cumpriu um roteiro determinado e pode funcionar. Quem quiser contestar deve fazer uma representação para tentar impugnar o registro. 

ISTOÉ

Não seria possível melhorar isso?  

Eugênio José Guilherme de Aragão

Seria diferente se o eleitor fosse ao cartório e ali assinasse seu apoio a um partido. Claro que daria mais trabalho. A pessoa daria um tempo, 20 minutos, meia hora, para manifestar seu apoio a um partido. Não é igual a estar numa fila de supermercado e colocar seu nome num abaixo-assinado. Qual o valor desse apoio? Estamos criando siglas que não têm a mínima chance de chegar ao poder, que é a essência da atividade política. Servirão apenas à penumbra política. 

ISTOÉ

De qualquer maneira, chegaremos a 32 partidos. Por quê?  

Eugênio José Guilherme de Aragão

Porque a lei criou estímulos a isso. Ao decidir que um partido novo terá direito ao tempo de televisão de seus filiados, o TSE criou um incentivo para quem formar uma nova legenda. Os partidos já constituídos têm direito ao tempo obtido pela votação. Os novos só dependem do tamanho da própria bancada. Isso é um estímulo à infidelidade, à cooptação de novos parlamentares. Essa fragmentação é perigosa para a democracia. Uma democracia forte precisa de partidos políticos fortes.  

ISTOÉ

O sr. também é conhecido pela disposição para discutir temas internos do Ministério Público. Em abril, publicou um artigo dizendo que os procuradores haviam abandonado o idealismo dos tempos iniciais por uma postura individualista, politizada e corporativa. 

Eugênio José Guilherme de Aragão

O Ministério Público foi idealizado na década de 1980. Era o fim da ditadura, época da mobilização da sociedade civil, quando o MP mostrou que era capaz de fazer diferença. Fez isso através dos direitos do consumidor, dos direitos indígenas, em questões da infância e também na ação civil pública. O Ministério Público foi pensado nesse tempo, quando era uma instituição artesanal, com 200 membros. Todo mundo se conhecia pelo nome. Hoje, após um fenômeno que chamamos de concursismo, somos 1.200. 

ISTOÉ

Há algo de errado nos concursos? 

Eugênio José Guilherme de Aragão

São um método legítimo de recrutamento de servidores. Mas eles medem conhecimento instantâneo: aquilo que um candidato sabe em determinado momento. Não mede seu conhecimento global. Acaba entrando muito joio nesse trigo.  

ISTOÉ

O sr. acha que o Ministério Público andou falando sozinho nos últimos tempos? 

Eugênio José Guilherme de Aragão

Com certeza. O Roberto Gurgel (antecessor do atual procurador-geral Rodrigo Janot) ficou absorvido com o mensalão e não teve o ambiente político necessário para promover mudanças internas. É isso que o doutor Janot quer modificar e já está modificando. A tônica é que queremos dialogar. É importante, porque temos colegas que não sabem fazer isso. Teve um colega que decidiu mudar a cultura de batata de uma cidade através de uma recomendação enviada ao prefeito. Queria trocar a cultura convencional pela batata orgânica. Os produtores ficaram desesperados. São outros custos, outra forma de trabalhar, outra tecnologia.  

ISTOÉ

Onde mais é preciso diálogo?  

Eugênio José Guilherme de Aragão

Na demarcação de terras indígenas, por exemplo. No início da década de 1990, participei de uma operação de desocupar uma área ianomani, do tamanho da Bélgica. Um juiz autorizou a FAB a bombardear pistas de pouso na selva. Hoje dou minha mão à palmatória e admito que foi uma maluquice completa. Mas parecia correto na época. Até viramos heróis por causa disso. No impeachment do Collor, os procuradores eram tratados como deuses. Os garotos viam aquilo e pensavam: “É assim que eu quero ser quando crescer.” Muitos devem ter ingressado no Ministério Público pensando que iriam ser xerifes e mudar o mundo.  

ISTOÉ

O que mudou? 

Eugênio José Guilherme de Aragão

Estamos aprendendo que é preciso dialogar. Quando voltam à questão indígena, muitos colegas têm outra visão. A demarcação, agora, não envolve áreas remotas na Amazônia, mas terras densamente povoadas, ocupadas há várias gerações, por milhares de famílias. 

ISTOÉ

O sr. já escreveu que a atuação de determinados setores do Ministério Público provoca a paralisia da ação do governo, com deterioração de serviços prestados à população. Temos leis rigorosas demais? 

Eugênio José Guilherme de Aragão

Não. Existem economistas do Banco Mundial que falam em “bad corruption” e “good corruption”. A boa corrupção seria aquela que tem baixo impacto financeiro e um grande impacto para destravar a economia, o que poderia autorizar práticas não limpas. Não acredito nisso. Nossas leis são duras e são boas. Além disso, como membro do Ministério Público, eu não poderia falar que existe “good corruption.” 

ISTOÉ

Muitas pessoas dizem que na Ação Penal 470 o Ministério Público faz denúncias de modo seletivo.  

Eugênio José Guilherme de Aragão

Não vou falar sobre a Ação Penal 470. Não me cabe. Mas lembro que toda ação de um ser humano é seletiva. Você tem de optar sempre. Sou penalista. Quando abro um processo, leio uma descrição e penso: “Que horror! Pau nesse cara!” Mas posso ir mais adiante, ver outro cara e pensar: “Se eu estivesse no lugar dele, será que não faria a mesma coisa?” Na verdade, um procurador pode investigar um caso porque envolve pessoas importantes. Ou porque o caso é mais grave. Ou porque irá prescrever logo se não for investigado. O problema é que hoje não existem critérios objetivos nessas escolhas.  

ISTOÉ

Mas não existem preferências políticas? 

Eugênio José Guilherme de Aragão

Não somos carmelitas de pés descalços. Todos temos simpatias e antipatias. Mas fui corregedor do Ministério Público por dois anos e posso assegurar que os procuradores, na imensa maioria, procuram fazer o que está correto. A maioria dos integrantes do MP é formada por brasileiros de classe média, que pensam como cidadãos de classe média, leem a nossa mídia e fazem parte dessa corrente de opinião. Não há marcianos por aqui. Nos debates internos, você pode notar que há, no máximo, 30 ou 40 pessoas especialmente engajadas contra o PT. São petefóbicos. Mas a maioria é silenciosa e não se expõe. Está preocupada com a qualidade de seu trabalho. 

ISTOÉ

O sr. diz que o governo remunera melhor categorias que podem lhe apresentar maior risco político. Isso vale para o Ministério Público? 

Eugênio José Guilherme de Aragão

Há grande irritação, especialmente entre colegas mais novos, porque o governo não atendeu a pleitos de reajuste salarial. Sou da opinião de que os concursados já entram aqui com um salário só um pouco inferior ao de procurador-geral. Mas é superior ao de um embaixador e de um professor universitário. Acho que é um bom vencimento. Mas nem todos concordam com isso.