O estudante universitário americano Benjamin Nathaniel Smith dirigiu calmamente seu Ford Taurus azul-claro pelas ruas de sua cidade natal Bloomington, em Indiana, na manhã ensolarada do domingo 4. Com uma pistola nas mãos, Smith matou o coreano Won-Joon, 26 anos, quando ele saía da Igreja Metodista. Won era mais uma vítima na lista das "pessoas sujas", como Smith classificava negros, asiáticos e judeus. Terminava assim uma sanha sanguinária que percorreu os Estados de Indiana e Illinois. Em Chicago, o ex-treinador de basquete negro Ricky Byrdsong, 43 anos, foi o primeiro a ser morto, com um tiro nas costas na sexta-feira 2. Na mesma cidade, Smith ainda feriu os judeus Gideon Sapir, Hillel Goldstein, Dean Bell, Ian Huper e Eric Yates. No Estado de Illinois, o pistoleiro atirou contra os negros Lewis Jordan, em Springfield e Stephen Anderson, em Decatur. Os crimes raciais só terminaram no domingo 4, quando Smith, cercado pela polícia em Bloomington, preferiu o suicídio a se entregar.

Benjamin Nathaniel Smith era membro do grupo de extrema direita Igreja Mundial do Criador. Ele chegou a trocar o nome para August Smith porque classificava Benjamin Nathaniel como de "excessivamente judeu". Com a assinatura de August Smith propagava pela Internet as doutrinas racistas de sua seita. Quando soube dos assassinatos e do suicídio de Smith, o líder da Igreja Mundial do Criador, Matthew F. Hale descreveu-o como "mártir da liberdade de expressão". "Ele só fez isso porque sentiu-se oprimido por aqueles que queriam impedir seus protestos anti-semitas e racistas. Nós não propagamos o ódio, apenas queremos que nossa gente esteja protegida", disse. O estudante passou a fazer parte da Igreja Mundial do Criador no ano passado, quando cursava a universidade de Indiana. Ele pagava a mensalidade de US$ 35 para ser "leal à raça branca". Uma de suas funções era divulgar a literatura racista da organização, como a White Bible (Bíblia Branca). No campus universitário, Smith costumava distribuir panfletos a favor da supremacia dos brancos. As pessoas que o conheceram descreviam-no como racista e encrenqueiro, mas não havia precedentes criminosos contra ele.

 

Seita racista A Igreja Mundial do Criador é um dos 537 grupos racistas que se espalham pelos EUA. Segundo o Southern Poverty Law Center, em Alabama, o número de grupos racistas americanos cresceu 30% nos últimos dois anos. A maior preocupação, porém, são as páginas de Internet – instrumento precioso de divulgação para os grupos extremistas. São nada menos que duas mil páginas divulgando receitas para eliminar qualquer pessoa que não seja da raça branca. Em abril de 1995, quando aconteceu em Oklahoma o maior atentado terrorista da história americana, havia apenas uma página na rede.

Segundo o Departamento de Justiça dos EUA, no ano passado ocorreram oito mil crimes desse gênero. A maior parte deles (4.700) são raciais. Nos Estados Unidos, levar para a cadeia um réu culpado por crime racial é extremamente difícil. Antes de qualquer inquérito ser aberto para se apurar um crime racial, é necessário haver provas de atividades criminosas. Algumas mudanças, porém, vêm ocorrendo desde 1994, como a implementação de um programa de treinamento de policiais para lidar com esse tipo de delito.

 

Direitos humanos Wade Handerson, diretor-executivo da Leadership Conference on Civil Rights — a maior entidade americana de direitos humanos dos EUA e que agrupa 185 entidades —, afirmou a ISTOÉ que ainda prevalece nos EUA a primeira emenda da Constituição, que assegura o direito à "liberdade de expressão". Ou seja, o indivíduo pode pronunciar os piores discursos racistas, mas a lei nada pode fazer contra ele. Para explicar o aumento das organizações que pregam a supremacia branca, Handerson aponta as rápidas mudanças na sociedade americana que incluem o aumento na imigração, com uma confluência de raças jamais vista (a população de descendentes de latinos, por exemplo, deverá ultrapassar a de descendentes de europeus até o ano 2005) e a avalanche de informações, entre elas a Internet. O diretor da Civil Rights também incluiu os EUA na escalada de violência de conflitos étnicos-religiosos desencadeados depois da queda do Muro de Berlim.

Michael Wenger, especialista em relações raciais do Joint Centre of Political and Economical Studies, em Washington, afirmou a ISTOÉ que o perfil dos que pregam a supremacia branca é geralmente de jovem branco de classe média, morador do Centro-Oeste dos EUA, exatamente como Benjamin. Mas o alvo das organizações racistas passou a ser também as crianças de sete a nove anos. A Igreja Mundial do Criador, à qual pertencia Benjamin, tenta recrutar até crianças através de um site com jogos de palavras cruzadas e outras brincadeiras que incitam o ódio racial.

Na contracorrente deste tipo de propaganda, as organizações de direitos humanos colocam suas páginas com conceitos de cidadania. "Não temos como censurar a Internet. Uma solução é divulgar idéias de cidadania", afirma Handerson no combate à propagação de conceitos racistas.

Instituições como a Anti Defamation League (ADL) vão mais além, oferecendo um serviço de bloqueios de sites racistas. David Hoffman, da ADL, passa o dia monitorando na Internet endereços de grupos anti-semitas. "A diferença agora é a tecnologia. A Internet está reciclando o ódio", afirma Hoffman. A reciclagem desse ódio racial nos leva a pensar na profecia do maior pacifista americano, o pastor negro Martin Luther King. Em 1967, King disse: "Se tivermos que ter paz no mundo, teremos de transcender nossa raça, nossa tribo, nossa classe, nossa nação… ou aprendemos a viver juntos como irmãos, ou morreremos juntos como tolos."