O usado, com risco calculado, mas possivelmente sem turbulências. Assim deverá ser o vôo sem escalas da Embraer rumo a uma reestruturação acionária complexa que deverá lançar a empresa numa nova era no mercado de capitais. A mudança no capital societário, que transformará todas as ações da empresa em ordinárias, ou seja, com direito a voto, foi aprovada na quinta-feira 19 pelo Conselho de Administração. No mesmo dia, a assembléia geral de acionistas, que tem a palavra final sobre a reestruturação, ficou marcada para 31 março. Todos os acionistas terão direito a voto, independentemente da classe de ações que possuam. Caso haja a aprovação, a Embraer entrará no Novo Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Novos parâmetros de governança corporativa, com mais transparência e segurança, seriam algumas das conseqüências dessa mudança. “Com a estrutura atual, não conseguíamos atrair novo capital acionário”, disse a ISTOÉ o diretor-presidente da empresa, Maurício Botelho. “Após a mudança, teremos acesso livre ao mercado de crédito internacional”, completou.

Caso os acionistas aprovem, a Embraer será a primeira empresa de grande porte a realizar essa conversão – o que analistas do setor esperam que sirva de inspiração no mercado. A reestruturação prevista pela direção da companhia acarretará ainda a pulverização do controle acionário da Embraer, pois também será limitado a 5% o número de votos de qualquer acionista, ou seja, mesmo se algum grupo possuir mais ações, votará como se tivesse 5%. Hoje, o controle da companhia está nas mãos da Cia. Bozano e de dois fundos de pensão: a Previ, do Banco do Brasil, e o do grupo de telefonia Sistel. Cada um detém 20% das ações ordinárias (ON), vinculadas no chamado Acordo de Acionistas. Essas ações vinculadas deverão ser trocadas por outras da “nova” Embraer na proporção de 1 para 1,1153, o que renderá um prêmio de 9% para os atuais controladores por causa da perda do controle. Todas as demais ações serão trocadas na proporção de 1 para 1 – o que, segundo análise do banco Pactual, é uma porcentagem justa.

Essa mudança não foi planejada para ajudar minoritários – não há almoço grátis, dizem os economistas. As ações ordinárias da Embraer apresentavam havia algum tempo baixa liquidez. E estavam com preço muito baixo se comparado ao das ações preferenciais, as PNs, que não dão direito a voto, mas têm 10% a mais nos dividendos. Resumo da ópera: as ações ON eram pouco atrativas para o mercado porque não davam poder político (estabelecido no Acordo de Acionistas), geravam menos dividendos e possuíam baixa liquidez. “A diferença entre o valor das ações ON e PN chegou a quase 40% em dezembro. Agora, está mínima”, diz o analista Alexandre Garcia, da corretora Ágora Sênior. É algo lógico. Quando existe uma diferença de 40% entre as ações – e todos sabem que no futuro elas terão o mesmo valor, isto é, serão todas ON –, a tendência é a compra da ação mais barata, a ON, o que fará com que o valor dela suba, levando as duas a convergirem para o mesmo preço. “Atualmente, o preço das duas ações está muito semelhante. Em um mês e meio, os controladores valorizaram em 40% suas ações”, explica Garcia.

Nessa história, David e Golias não são, entretanto, necessariamente adversários. Eles podem ser parceiros. Afinal, os minoritários serão beneficiados por tabela. Com a pulverização do controle, além de ganhar voz política dentro da Embraer, eles ainda terão certa blindagem nos seus papéis, já que possuirão o mesmo tipo de ação que os controladores. Nos países desenvolvidos e nas grandes companhias mundiais, o controle pulverizado é comum. Ou seja, as grandes empresas pertencem, de fato, ao mercado. É a realização final do próprio capitalismo. A GE, por exemplo, maior empresa do mundo em valor de mercado (US$ 372 bilhões em 2004, ou mais da metade do PIB do Brasil), tem ações pulverizadas entre milhares de acionistas. O grupo controlador da GE possui apenas 10% de suas ações – convém lembrar que, nos EUA, até a dona-de-casa rechonchuda do Texas investe em ações, enquanto aqui isso, infelizmente, não acontece. Prova do sucesso do modelo é a boa recepção do mercado. “Apesar de não termos entregado o número de aviões previstos para 2005 e da confusão com a venda para a Venezuela, nossas ações estão subindo”, destaca Botelho, lembrando do recente veto americano à venda de 36 caças supertucano para a nação de Hugo Chávez.

Com os papéis a serem negociados no Novo Mercado, e com garantias de um novo padrão de governança corporativa, as ações da Embraer ganharão mais liquidez, o que pode atrair novos e potenciais investidores. É uma forma de tornar as ações mais atrativas, pois diminui a percepção de risco nos investidores. E por se tratar de uma área estratégica, principalmente no setor de segurança, o governo continua com poder de veto em vários pontos. Caso haja o “sim” dos acionistas, o vitorioso modelo de gestão da Embraer pode se tornar exemplo para a incipiente e necessária modernização e profissionalização do País.