O grande fosso que separa ricos e pobres em todo o mundo está aumentando e em boa parte graças à Internet. Essa é uma das várias conclusões perturbadoras, algumas até chocantes, de um extenso e primoroso relatório de 260 páginas produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que será divulgado oficialmente nesta segunda-feira 12, em Londres. O tema principal do texto é a globalização, cuja tendência de favorecer o lucro e não as pessoas é atacada pela organização. "Os mercados foram autorizados a dominar o processo e assim os benefícios e as oportunidades não têm sido divididos igualmente". Resultado: "Uma polarização grotesca e perigosa entre as pessoas e países que se beneficiam do sistema e aqueles que são meros receptores passivos dos seus efeitos." Tal relatório, produto de dois anos de trabalho e divulgado anualmente, é mais conhecido por definir um ranking que já criou polêmica no passado: ele mede a colocação de todos os países de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que afere a situação de bem-estar de cada povo. Este ano o Brasil caiu para o 79º lugar. O Canadá, pelo sexto ano consecutivo, ficou em primeiro e os Estados Unidos em terceiro.

No relatório do ano passado o Brasil havia ficado em 62º lugar. Mas isso não quer dizer que o país tenha piorado. Acontece que a metodologia do índice foi mudada. Contratou-se o Prêmio Nobel de Economia de 1998, Amartya Sem, para definir uma fórmula que considerasse outras duas dimensões, a da saúde e da educação, além da econômica tradicional. Todas são computadas com o mesmo peso. Se o cálculo do índice tivesse permanecido como era, o Brasil saltaria para 60º lugar. Segundo o relatório, somente a quinta parte da população do mundo que vive nos países de maior renda detém hoje 86% do PIB mundial, 82% dos mercados de exportação, 68% do investimento direto e 74% das linhas telefônicas. Por outro lado, a quinta parte que vive nos países mais pobres detém apenas 1% de cada um desses indicadores.

Em relação à Internet, a mais nova vilã nesse processo de exclusão brutal, os números são ainda mais fortes: 88% dos usuários da web vivem em países ricos que, conjuntamente, representam apenas 17% da população mundial. "O usuário típico da Internet em todo o mundo é homem, tem menos de 35 anos, educação universitária, renda elevada, vive na zona urbana e fala inglês." O relatório também diz que "a elaboração de programas para computador e a descoberta de códigos genéticos substituíram a procura de ouro, a conquista de terras ou o domínio das máquinas, como caminhos para o poder econômico". Para assegurar que os benefícios tecnológicos nas comunicações sejam verdadeiramente globais, o relatório sugere até mesmo a criação do "imposto bit", que financiaria os recursos para essa universalização. Seria cobrado um centavo de dólar sobre cada 100 mensagens eletrônicas enviadas pela Internet –, o que daria uma receita de US$ 70 bilhões por ano.

Numa crítica direta ao fluxo incontrolável de capitais – que hoje se beneficiam tremendamente da Internet –, o relatório lembra que a crise financeira na Ásia Oriental, com fuga maciça e instantânea de capitais, reduziu a produção mundial em cerca de US$ 2 trilhões e desempregou milhões de pessoas. Para evitar que isso volte a acontecer, o relatório prega entre outras medidas a criação de um banco central mundial. Na avaliação dos técnicos da ONU, o aprofundamento da pobreza favorece o crescimento do crime organizado, formado por "oportunistas empreendedores e imaginativos", beneficiários da globalização. "O faturamento das seis principais máfias internacionais já movimenta o equivalente a US$ 1,5 trilhão ao ano, no tráfico de drogas, armas, trabalho, mercadorias e lavagem de dinheiro."

 

Câmera lenta No aspecto cultural, o trabalho avalia que boa parte da população do mundo é ameaçada pelo fluxo predominante de produtos de entretenimento dos Estados Unidos, maior indústria exportadora do país. Curiosamente, um dos maiores patrocinadores individuais da ONU é o magnata Ted Turner, um dos donos da rede de tevê CNN. Ele aparece no relatório como autor de uma contribuição especial, também criticando o descompasso entre a expansão econômica e o combate à pobreza no mundo. "É como se a globalização estivesse avançando rapidamente e a capacidade mundial de compreendê-la e reagir a ela estivesse em câmera lenta."