O presidente Fernando Henrique Cardoso está encantado com as megafusões. Depois que as rivais Brahma e Antarctica uniram suas forças numa gigantesca corporação de bebidas, o presidente entusiasmou-se com a idéia de criar multinacionais verde-amarelas. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já está empenhado em desenhar a nova configuração de setores estratégicos da indústria. Quer dar músculos a jogadores capazes de competir de igual para igual com os grandes conglomerados internacionais. Daí pode estar nascendo uma multinacional brasileira no setor de aço. Quem aparece como mais forte candidato para liderar esse processo é o grupo Gerdau. O governo está inclinado a montar um enorme complexo siderúrgico em torno da empresa gaúcha, financiando até a aquisição da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). "A fragmentação da indústria inibe a capacidade do Brasil de competir globalmente", diz Reginaldo Alexandre, analista do banco BBA. Para se ter uma idéia, o País ocupa a sétima posição entre os maiores produtores mundiais, mas a divisão do bolo deixa a maior delas individualmente – a própria CSN – em 38º lugar na lista de todos os fabricantes. Há cinco grandes blocos siderúrgicos. "O Brasil tem competitividade porque é rico em minério de ferro, facilitando a produção a baixos custos."

O empresário Benjamin Steinbruch, controlador da CSN, se apressa em desmentir: "Não recebi nenhuma proposta formal até agora." Caso surja uma gigante do aço brasileira, as peças do jogo terão as maiores modificações desde a privatização no início da década. "Será a segunda rodada das privatizações", diz o diretor do BNDESPar, Nélson Rozental. Depois de liquidar a Siderbrás, holding que reunia todas as usinas, e então privatizá-las, o governo estuda consolidar o setor em um oligopólio privado. Num dos cenários desenhados pelo BNDES, o grupo Gerdau seria colocado entre os dez maiores produtores mundiais. Para alcançar esse objetivo, a CSN seria dividida em duas empresas. A primeira delas atuaria na área siderúrgica, sendo vendida ao grupo gaúcho. A outra seria mantida pelo empresário e reuniria as operações de mineração, ferrovia e portos, além das demais participações do empresário, incluindo aí a sua fatia na Vale do Rio Doce. Mas, para o projeto virar realidade, existe um tortuoso caminho. "O governo quer acelerar o negócio, mas há fortes resistências dos grupos preteridos", diz uma fonte próxima à reestruturação. "Mesmo dentro da Gerdau, há quem tema assumir um grande passivo." Os gaúchos preferem manter sigilo sobre qualquer movimento. "O BNDES é o indutor desse processo", limita-se a dizer o vice-presidente, Frederico Gerdau Johannpeter. Apesar da preferência do governo sobre um grupo, ninguém quer ficar de fora. "A Usiminas tem de estar presente em qualquer reestruturação", diz o seu presidente, Rinaldo Campos Soares. Além disso, o processo, que pode durar meses, passa ainda pelas mesas do fundo de pensão do Banco do Brasil (Previ), do Bradesco e da Vale, todas grandes acionistas das siderúrgicas.

Se algum grupo nacional consolidar-se como grande competidor global, o governo estará mudando radicalmente seu comportamento. No ano passado, quando a Acesita e, por tabela, a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), reconhecida como o melhor ativo do setor, foi vendida ao grupo francês Usinor por R$ 700 milhões, Steinbruch chegou a oferecer R$ 1 milhão a mais. Havia outros interessados, como a Usiminas. Mas o governo manobrou a Previ para evitar que a Acesita caísse nas mãos de grupos privados nacionais. Em ano eleitoral, não quis comprar briga com os grandes empresários eventualmente preteridos. Empurrou um problema para a frente, sem conseguir fortalecer um concorrente nacional.

Pressão alemã Embora o BNDES esteja agora mais disposto a financiar os fabricantes brasileiros, o grupo alemão ThyssenKrupp apareceu como um grande interessado em levar a CSN. Maior produtor de aço da Europa, ele já possui uma joint venture com a siderúrgica de Steinbruch para a construção de uma fábrica de chapas de aço às montadoras. Segundo especialistas, a empresa alemã cairia como uma luva nos interesses de Steinbruch. "É mais capitalizada do que o grupo Gerdau e dona de tecnologia internacional – tudo o que a CSN precisa", diz uma fonte próxima. Segundo ele, as próprias montadoras de veículos, como as fábricas de carros alemãs Mercedes-Benz e BMW, dona da Land Rover, que recentemente se instalaram no Brasil, gostariam de casar seus interesses com o Thyssen. O assunto chegou até a alta cúpula do governo brasileiro e alemão. Quando esteve com o presidente Fernando Henrique Cardoso recentemente, o chanceler alemão, Gerhard Schröder, demonstrou o interesse de fazer com que seu país volte a ser o segundo maior parceiro brasileiro, depois de perder a posição para a esquadra de investimentos espanhola. Nessa transação, há um ganho adicional, como lembram membros do governo: mais divisas para aliviar a pressão nas contas externas.

Depois que estouraram os boatos de que Steinbruch estaria disposto a vender suas participações para fazer frente às dificuldades de caixa provocadas pela desvalorização do real, muita coisa parece ter mudado na vida de quem mais havia se adaptado aos tempos de globalização. De colecionador de empresas, Steinbruch virou alvo de grupos interessados em suas participações. Tinha o sonho de fundir a CSN e a Vale numa única empresa, mas endividou-se ao acreditar na estabilidade do real. Estimativas de mercado dão conta de que o grupo Vicunha – empresa das famílias Steinbruch e Rabinovich, dona das ações na CSN, Vale, entre outras – tem uma dívida de R$ 700 milhões. O caminho natural é vender uma das grandes participações para zerar o passivo.

 

Clone da Vale Embora o grupo Vicunha diga que possa suportar o assédio por mais de um ano, o novo desenho da indústria de aço depende dos passos de Steinbruch. Mas já há quem tema que a empresa seja vendida integralmente. Se a Thyssen levar todo o pacote, Steinbruch estaria criando um rival para a sua própria Vale do Rio Doce. Os alemães já são fortes produtores de minério de ferro no Brasil, pois detêm o controle da mineradora Ferteco, cuja produção alcança os 20 milhões de toneladas. Vai se somar, então, à Casa de Pedra, a mina de ferro da CSN, onde são extraídos 11 milhões de toneladas. "Tudo na Vicunha está à venda, menos minha mulher e minhas filhas", completa Jacks Rabinovich, controlador do grupo fundado em 1968 por ele e Mendel, pai de Benjamin, já falecido. "É tudo uma questão de preço. Queremos o justo e mais um pouco."