Em 1961, o hoteleiro nova-iorquino Henry Purcell recebeu uma proposta inusitada: dois americanos que tinham acabado de adquirir do governo chileno um hotel encravado na Cordilheira dos Andes queriam contratá-lo para assumir o comando do estabelecimento, onde funcionava uma estação de esqui. Purcell não falava uma palavra de espanhol, nunca havia esquiado, mas topou a parada. Ao chegar ao Hotel Portillo, a 90 quilômetros de Santiago e quase três mil metros de altitude, o hoteleiro encontrou o retrato da decadência. Um homem com um bode vivia em meio às mesas do restaurante. No salão principal, camas de bravos hóspedes rodeavam a lareira, para contornar o frio que a calefação não conseguia afugentar. Purcell apaixonou-se. Arregaçou as mangas e reformou todo o lugar. Hoje, o hotel está comemorando 50 anos de existência como sede de uma das estações de esqui mais caras e exclusivas abaixo da linha do Equador, a primeira na América Latina.

Não se deve associar isso a luxo. Portillo é rústico. No lobby do hotel, estendem-se no chão estáticos e imensos, como tapetes, Frida e Oscar, cães da raça são-bernardo. Eles já dão a quem chega o tom do lugar, um ambiente familiar, onde todo mundo se conhece ou acaba se conhecendo. Ao contrário de Bariloche e de Las Leñas, na Argentina, destino mais comum dos esquiadores brasileiros, Portillo é isolado. Não há vilarejo perto nem outros hotéis, o que evita a dispersão dos esquiadores. As pessoas se confraternizam nos ambientes comuns, coisa incentivada por Purcell, que nunca instalou tevê ou frigobar nos quartos. "A idéia é que os hóspedes se recolham somente para dormir", afirma o hoteleiro, que se tornou proprietário do negócio em 1980. Um dos frequentadores mais assíduos é o empresário carioca Mauro Halpern, 56 anos, que viaja para Portillo todo ano desde 1974. "Isso aqui é como um navio que aportou no meio das montanhas. Não existe ambiente parecido no mundo", afirma Halpern, que também se hospeda em estações famosas dos EUA e da Europa. O empresário, que ocupa invariavelmente o quarto 201, guarda no hotel uma caixa com roupas, esquis e um aparelho de som com uma minicoleção de CDs brasileiros para dormir com a namorada, Elisa Mendes, ao som de Tim Maia. Isso quando está acompanhado. Ele também vai para Portillo a cada agosto para se encontrar com um grupo de amigos brasileiros, numa espécie de clube do Bolinha. "Nessa semana eles se comportam que nem crianças, um bando de homens sozinhos", entrega Elisa.

Crianças de verdade também têm vez. "Aqui é o lugar ideal para vir com elas", diz o empresário argentino Alejandro Cabuli, pai de Nicolas, seis anos, Florência, três, e Magali, de apenas um ano e meio. Nesta temporada, ele e sua mulher, Mariela, estão ensinando Florência a esquiar. O ágil Nicolas, com seus pequenos esquis, já se aventura nas pistas avançadas, para a inveja dos marmanjos brasileiros. Florência desliza às gargalhadas e com um equilíbrio surpreendente pela pista de iniciantes. "Essa região é muito bonita, mas eu sinto falta de uma cidade por perto para passear", conta Mariela. "A vantagem é podermos deixar nossa filha menor com as professoras do hotel, numa sala para crianças que funciona das 8h às 20h", diz.

 

A -5ºC Além das 25 pistas de esqui (se não houver muita neve, algumas ficam fechadas), as atrações se concentram dentro do hotel, localizado em frente ao plácido lago del Inca. A melhor delas é a piscina a céu aberto, cercada de neve, com água aquecida a cerca de 40ºC. Na semana passada era possível nadar com uma temperatura externa de -5ºC. Existem também salões de jogos, um minicinema, sala de ginástica e uma quadra poliesportiva, onde os jogos periódicos entre brasileiros e argentinos costumam esquentar. Mas o esporte predileto, à noite, é tomar um bom vinho tinto chileno ou o drinque nacional, o delicioso Pisco Sauer, feito com pisco – a aguardente do Chile –, limão e clara de ovo (é por isso que nos bares do hotel existem caixas e caixas de ovos, um fato intrigante para os não-iniciados). As instalações abrigam um bar com música ao vivo de qualidade e uma discoteca, que peca por ter um repertório limitado e muito juvenil. Às vezes, o melhor é deixar tudo isso de lado, vestir um casaco e ir para a varanda contemplar um céu assombrosamente estrelado, montanhas de cinco mil metros de altitude cobertas de branco e o silêncio das cordilheiras.