Todas as manhãs, a programadora visual Íris Di Ciommo, 49 anos, reserva pelo menos uma hora e meia para si. Corre cinco quilômetros nas ruas arborizadas do bairro dos Jardins, em São Paulo, onde mora, faz ginástica e trata da pele com hidratantes e cremes. Ela adora se olhar no espelho e se sentir bonita, mas nem pensa em fazer uma cirurgia plástica para rejuvenescer. "Não quero parecer ter 30 anos. Quero estar bem com a minha idade. Além disso, a plástica é um processo muito agressivo e sou avessa a cirurgias", diz ela.

Íris está na contracorrente. Ela pertence ao grupo cada vez menor de mulheres do seu meio que resistem à tentação de parecer mais jovens com o passe de mágica dos bisturis. É uma tribo pequena, mas composta de grandes mulheres, como a primeira- dama, Ruth Cardoso, e a atriz Sônia Braga que oferecem uma referência reconfortante para quem tenta se manter fora da correnteza. Com recursos menos invasivos, preços acessíveis e pagamento parcelado, realizam-se hoje no Brasil cerca de 300 mil cirurgias plásticas por ano, seis vezes mais que há uma década. Para atender a essa demanda, existe um cirurgião para cada 47 mil brasileiros, enquanto na Argentina, por exemplo, a proporção é de um para 83 mil habitantes. "Este é um país tropical, onde se expõe muito o corpo. Isso nos levou a nos desenvolvermos muito neste campo", explica Farid Hakme, presidente da Associação Brasileira de Cirurgia Plástica.

Cobrança As facilidades e o know-how adquirido tornam o apelo da juventude via bisturi irresistível. A ponto de parecer pecado aparentar a idade que se tem. Com os cabelos castanhos quase intocados por fios brancos e a pele fresca, Íris tem motivos óbvios para dizer não à cirurgia. Mesmo assim, é preciso firmeza para enfrentar a pressão externa. A superpremiada atriz Fernanda Montenegro resume numa frase curta a solicitação implícita no olhar das pessoas hoje em dia. "É como se eu não tomasse banho", afirma divertida. Há quase 30 anos, Fernanda tirou as bolsas sob os olhos, mas, apesar de confessar que pensa no assunto todos os dias, ela acha que no fundo não se sente muito infeliz com o resultado de seus 69 anos. "É como se eu fosse pôr uma máscara em cima da minha realidade. Mas o que vai ficar de mim quando me cortarem? Em que espelho terei deixado a minha face?", dramatiza. E explica: "Acho que isso é Cecília Meireles…" A atriz reconhece, no entanto, que na tevê o recurso é quase indispensável. "A tevê cultua a beleza perfeita. Mas fazer sempre a heroína na tevê seria para mim uma tortura. O teatro é mais consolador, o corpo todo se expressa", compara ela, lembrando que se não fosse assim talvez não pudesse encarnar tão bem personagens como a protagonista do festejado Central do Brasil. "Imagina a Dora cheia de operação plástica, não pode. Faço os papéis por causa da minha cara. Será que isso aconteceria se estivesse numa zona sem pouso, com idade nenhuma?", questiona.

A cirurgia plástica já foi um recurso secreto, sussurrado com malícia a respeito de mulheres de aparência inesperadamente jovem. Marta Rocha, ex-Miss Brasil de 1954, 63 anos, três cirurgias, lembra bem dessa época. "Fiz a primeira com 40 anos, bem leve, e acho que fui uma das primeiras a declarar publicamente. As pessoas se escandalizavam", recorda. Nas últimas décadas, a plástica sofisticou, além das técnicas cirúrgicas, os argumentos que a legitimam. A experiência da ex-miss ilustra bem essa mudança de mentalidade. Para ela, dar uns retoques na imagem é sinônimo de auto-estima. "Quem não está satisfeito com sua aparência física não fica bem consigo", diz Marta, que hoje se dedica a pintar quadros expressionistas. Ivo Pitanguy, o papa da cirurgia plástica no Brasil, comemora essa transformação de valores como uma vitória pessoal. "Trabalhei muito para que a plástica não fosse vista apenas como vaidade, mas sobretudo como instrumento de felicidade. Agora, essa filosofia é adotada no mundo todo. Foi uma vitória contra o preconceito, até mesmo o religioso", diz o cirurgião, que de tão consagrado virou tema da Escola de Samba Caprichosos de Pilares neste ano. Com o trabalho gratuito na Santa Casa de Misericórdia do Rio, o médico faz questão de democratizar o know-how a favor da estética, mas nunca se confiou ao bisturi. "Tenho ego condescendente", disfarça, escondendo a idade.

Nem tudo, porém, está resolvido para os apologistas do rejuvenescimento artificial. Os velhos valores ainda impedem que muita gente se submeta a ele "só por vaidade", por medo da opinião alheia. A médica Edith Horibe, especialista em medicina estética, cita o caso de uma empresária paulista que teve de inventar uma temporada num spa para driblar a resistência dos filhos. "Ela fez lipoaspiração no abdômen, lifting e peeling, hospedou-se num flat e reapareceu 15 dias depois. Quando os filhos viram, adoraram. A mãe não tinha morrido e estava bem mais bonita."

Amor próprio Há também quem fique tentada a procurar um cirurgião, mas tem medo de operação. Os médicos concordam que a cirurgia plástica oferece os mesmos riscos que qualquer outra, no que se refere à anestesia ou à possibilidade de infecções, mas lembram que, por isso mesmo, são rigorosos nos exames clínicos prévios e só operam nas condições mais seguras. Mais incomum, porém, é vê-los explicar que uma mulher que diz não à cirurgia pode estar exprimindo não uma derrota por seus medos ou uma falta de auto-estima, mas uma vida interior bem resolvida.

A arquiteta Cristina de Castro Mello, 51 anos, acredita que conviver com as marcas da idade significa preservar a própria história. Ela não pensa sequer em pintar os cabelos. "Acho bonito o grisalho. Os cabelos brancos são parte da minha trajetória e me sinto bem como sou", comenta.

A escritora Lia Luft, 60 anos – que no recém-lançado romance, O ponto cego, traz entre os personagens uma mulher inconformada com o envelhecimento –, não descarta a possibilidade de um dia inventar uma história para driblar a própria resistência, mas faz muitas ressalvas ao sonho do rejuvenescimento. "A plástica é boa quando traz conforto físico e alegria, mas é danosa quando serve a um processo de obsessão pela eterna juventude", opina ela. "Posso até usar algum recurso para ficar com o rosto mais iluminado, mais descansado, mas tenho 60 anos. Essa sou eu: uma mulherona, com suas próprias vivências. A maturidade é também saber exercer o bom humor", conclui. A atriz norueguesa Liv Ullmann, 59 anos, de sentimentos tão densos na tela quanto na vida real, é mais radical. Totalmente contrária às plásticas faciais, ela declarou recentemente em entrevista ao programa Milênio, da Globo News: "Com a cirurgia, perdemos a emoção. Quero gostar do novo rosto, que cada vez mais rápido invade o meu e pensar: isso é interessante, é o que Deus fez." O time de Liv, além de resistente, é corajoso. "Quero ver o que acontece comigo."