Americano adora novidade. E adora ainda mais se ela for uma única pílula mágica capaz de curar algum mal. Foi assim com o Viagra, foi assim com o Prozac, só para lembrar algumas. Agora, a novidade que virou febre nas prateleiras de lojas dos Estados Unidos chama-se SAMe (pronuncia-se "sami"), um comprimido amarelo lançado por lá este ano que, já de saída, promete ser eficaz para tratar não apenas uma doença, mas sim três: depressão, artrite e problemas no fígado. Como ele consegue essa proeza, ainda não se sabe muito bem. Aliás, nem se tem certeza se ele realmente é capaz de tratar esses males tão diversos. O que existe a respeito é uma dezena de estudos pouco conhecidos e um livro (SAMe – The European Arthritis and Depression Breakthrough) de US$ 14, escrito por dois americanos. Além, é claro, de ávidos consumidores que em três meses já colocaram o lançamento no 25º lugar entre os cerca de 13 mil suplementos vendidos nos EUA.

O SAMe (nome comercial de S-adenosylmethionina) é uma molécula que existe naturalmente no corpo humano e faz parte de mais de 30 reações metabólicas ocorridas nele. Entre outras funções, ele tem importância fundamental na formação de proteínas, hormônios e neurotransmissores (responsáveis pela comunicação entre os neurônios no cérebro). É justamente esse atributo, comparável a uma espécie de combustível indispensável para as células, que torna a molécula atraente e incentiva, na teoria, os cientistas a estudarem sua eficácia para doenças tão diferentes.

 

Cérebro Contra a depressão, por exemplo, alguns pesquisadores afirmam que uma dose extra de SAMe seria capaz de potencializar a ação da serotonina e da dopamina, neurotransmissores cuja falta ou mau funcionamento estão ligados à doença, aumentando a resposta dos seus receptores no cérebro. Mas o mecanismo pelo qual ele faria isso ainda não foi esclarecido e só 40 estudos clínicos, envolvendo 1,4 mil pacientes, foram realizados de 1976 – quando o remédio foi lançado na Itália – até hoje. O psiquiatra italiano Giorgio Bressa, da Universidade Católica Sacro Cuore, em Roma, realizou algumas pesquisas com o SAMe em 1994 e concluiu que sua eficácia é comparável aos tricíclicos, uma geração de antidepressivos anterior ao Prozac. A vantagem é que produziria menos efeitos colaterais. Um outro trabalho realizado no Massachusetts General Hospital, em Boston, verificou que o SAMe surtiu efeito em dois de nove pacientes deprimidos que não respondiam ao tratamento convencional.

Estes e outros estudos a respeito do tema, no entanto, ainda não são suficientes para que a comunidade científica internacional respalde o uso do SAMe. "Não é um tratamento reconhecido para a artrite", diz Emília Sato, presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Essa cautela em relação ao remédio é tamanha que, nos Estados Unidos, por exemplo, ele não foi aprovado pela Food And Drug Administration (órgão responsável pela liberação de remédios e alimentos) e só pode ser vendido em supermercados e lojas de vitaminas como suplemento alimentar (custa cerca de US$ 25 a caixa e tem várias marcas). "Ter influência sobre os neurotransmissores é uma coisa. Daí a provar que essa molécula pode potencializar o funcionamento ou aumentar a quantidade deles vai uma distância enorme", adverte a psiquiatra paulista Alina Landi. "O SAMe parece estar mais para perfumaria do que para uma droga efetiva", completa. Mesmo no campo da hepatologia, onde já é conhecido há mais tempo, o suplemento não parece ser eficiente para revigorar o fígado de pessoas com problemas como a cirrose e a hepatite. Segundo o professor da Universidade de São Paulo (USP) Flair Carrillo, no Brasil existem remédios para o fígado que utilizam a S-adenosylmethionina em sua composição, mas que não são receitados pelos médicos. "Os estudos não convenceram. Eu nunca prescrevi nenhum deles", afirma Carrillo.

 

Quantidade A dosagem ideal para tratar cada problema e os efeitos colaterais que o SAMe pode provocar são outros dois pontos que precisam ser mais bem desvendados. Na bula do remédio, aconselha-se tomar 400 miligramas por dia. Mas, segundo a própria bula, a dose pode ser elevada gradualmente até 1,6 mil miligramas diários. Quanto aos efeitos colaterais, o produto tem a seu favor o fato de já ser vendido há mais de 20 anos em 14 países (principalmente na Europa) e ter provocado, no máximo, reações adversas suaves como enjôo. Se o SAMe é apenas mais um modismo ou se veio para ficar, só o tempo e a ciência dirão. Pode ser que ele seja um excelente bálsamo contra alguns males. Mas também pode ser que os seus atuais consumidores estejam mais uma vez sendo enganados por promessas milagrosas.