Até parece que os três atrevidos meninos da Embratel invadiram as centrais telefônicas na calada da noite e aprontaram das suas. Por uma semana, a maioria dos brasileiros que usaram o DDD (Discagem Direta a Distância) para falar com parentes e amigos em outros Estados, ou então entre cidades de um mesmo Estado, ouviu a mensagem gravada de que a ligação não poderia ser completada. Ou pior: quando se completava, quem atendia do outro lado da linha não era o interlocutor desejado e nem morava na cidade para onde se ligou. A grande expectativa criada pela publicidade veiculada nos últimos cinco meses foi frustrada pelo desastre observado a partir do sábado 3. O "caladão" dos telefones produziu muitas acusações – do governo contra operadoras e destas entre si – e quase nenhuma explicação convincente. O consumidor, que está financiando parte da privatização do sistema nacional de telecomunicações, foi lesado e não tem garantias de que será indenizado.

No fim de semana do início da nova sistemática de interurbanos cerca de 46% das ligações em todo o País não foram completadas – ou por erro de discagem, normal nesses casos, ou porque as centrais das operadoras não conseguiram se entender. No primeiro dia útil, segunda-feira 5, este índice de falhas pulou para 67,5%, quando o normal admissível não chegaria a 50%. Foram registrados casos gritantes, como o de um morador do bairro paulistano de Vila Matilde, que atendeu mais de 200 telefonemas em um só dia de pessoas que tentavam falar com a cidade de Garanhuns, em Pernambuco. A explicação, não confirmada tecnicamente, foi a de que o número do telefone desta vítima, assim como de outros assinantes de várias cidades, começa com 21 – o mesmo prefixo para acessar os serviços da Embratel. Outro caso de erro de discagem aconteceu com o serviço de denúncias de abuso sexual do SOS Criança de Brasília, que atende pelo número 1407. Muitas pessoas tentaram ligar para Salvador discando 14 (número da operadora Tele Centro-Sul) e 071 (antigo prefixo da cidade, que agora atende sem o zero). O certo é ligar o zero, o 21 da Embratel e o 71 da cidade baiana.

Erros de discagem à parte, o fato é que a pressão popular acabou fazendo as operadoras assumirem parte da culpa. Chegaram a dizer que haviam proposto à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) o adiamento da data de início do novo sistema de discagem a distância. Renato Guerreiro, presidente do órgão, nega tal versão. Telefônica (que atende apenas São Paulo), Telemar (que opera em 16 Estados, inclusive Rio de Janeiro) e Tele Centro-Sul (responsável pela região Centro-Oeste e parte do Sul) teriam pedido mais tempo para aperfeiçoar o sistema e fazer os testes necessários. Embora não admitam publicamente, questões políticas e comerciais levaram as autoridades federais a não aceitar o adiamento.

Nos bastidores, três meses antes da data fatal de mudança, o risco de pane já era comentado e tinha um apelido: "apagão telefônico", numa comparação com o apagão que deixou mais da metade do País sem luz, no início do ano. A avaliação nas reuniões entre técnicos das teles regionais era de que o tempo seria curto e faltava pessoal especializado para adaptar as centrais telefônicas. Ou seja, era conhecido o risco que os brasileiros correriam. "Foi negligência da Anatel, que acabou favorecendo os interesses comerciais da Embratel", acusa o deputado Walter Pinheiro (PT-BA), especialista da área e representante dos funcionários das ex-estatais. O raciocínio dele é o seguinte: embora tivesse o monopólio total das ligações interurbanas, até 2 de julho a Embratel era obrigada a repartir a receita desse serviço com as estaduais (ou regionais, depois da privatização). De cada R$ 10 arrecadados pela Embratel com DDD, R$ 7 em média iam para o caixa das teles regionais. A partir do dia 3, a Embratel só partilha os custos de interconexão. Os valores variam, mas segundo Pinheiro são muito menores do que os repasses que vigoravam antes. Assim, quanto antes o novo sistema fosse implantado, melhor para a Embratel.

Mas existe outro interesse comercial da Embratel, ainda maior. Em outubro, a sua concorrente no nicho das chamadas de longa distância, a Bonari, começa a operar. A partir de janeiro de 2002, a concorrência será total, com as teles regionais podendo fazer ligações de longa distância fora das suas áreas de concessão. "A Embratel quer tempo para consolidar mercado. Só que o prejudicado nisso foi o consumidor, justamente quem deveria ser protegido", reage Pinheiro. O deputado também critica a Anatel: "Ela está informando que as teles disseram que estavam prontas. A função da Anatel não é perguntar. É fiscalizar."

O empurra-empurra das operadoras privatizadas e o caos telefônico nacional acabaram acirrando desavenças políticas dentro do governo federal. Na terça-feira 6, os ministros da Justiça, Renan Calheiros, e das Comunicações, Pimenta da Veiga, brigaram publicamente pelo direito de punir as operadoras diante dos prejuízos que elas provocaram aos clientes. A linha cruzada terminou na quarta-feira 7, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso chamou Pimenta ao Palácio do Planalto para ouvir explicações. FHC ficou irritado, mas não muito: depois de quatro dias de verdadeiro bug telefônico, deu mais três dias para que as ligações de longa distância estejam funcionando normalmente outra vez. Na verdade, o mesmo prazo que as próprias empresas já haviam se dado para acertar a interconexão entre elas. Técnicos das companhias ouvidos por ISTOÉ explicam que a maior parte dos problemas se deu em virtude da inexistência de acertos prévios entre os softwares nos computadores que administram as ligações entre as centrais de comunicação de cada uma das operadoras e delas com a Embratel. Como hoje boa parte das ligações no País já é digitalizada (transformam o som em dígitos), são os computadores que fazem o papel que no passado cabia às telefonistas nas antigas mesas de operação de longa distância.

Enquanto a Embratel tinha dificuldades para completar as ligações e experimentava taxas ínfimas de êxito – apenas uma em quatro tentativas –, as operadoras regionais seguravam ligações para reduzir o congestionamento. Na região atendida pela Tele Centro-Sul, metade das tentativas dos usuários era bloqueada pela própria operadora para que elas não entupissem os ramais da Embratel. Isso quer dizer que o sistema ainda não foi completamente testado e pode sofrer novos problemas.

"Não só não temos gente suficiente para fiscalizar como também não é o papel da Anatel ir à empresa fazer a verificação", defende-se Guerreiro. Resta, então, uma última pergunta: se as empresas que compraram as estatais são multinacionais de renome com longa tradição de bons serviços nos países desenvolvidos, por que não aplicaram essa competência aqui no Brasil? A resposta ainda é um perturbador silêncio.

Colaboraram: Wladimir Gramacho e Sônia Filgueiras (DF)