A legislação brasileira não prevê a pena capital no País. O laboratório do Hospital das Clínicas de Belo Horizonte, porém, se encarregou de dar a pelo menos cinco pessoas a terrível sensação de caminhar pelo corredor da morte. Elas descobriram na semana passada, ao contrário do que afirmavam exames feitos no hospital, não ser portadoras do vírus HIV. A descoberta se deu quando o HC percebeu que, entre agosto de 1998 e maio deste ano, 3.042 exames foram mal manipulados e convocou, na terça-feira 6, quem tinha tido amostras de sangue recolhidas para novos testes. Naquele período, 538 pacientes foram notificados de ser portadores do HIV, vírus da Aids. O hospital calcula que cerca de 120 pessoas devem ser novamente submetidas aos exames. "Não acreditamos que o número de diagnósticos errados passe muito dos cinco já confirmados", diz Henrique da Gama Torres, diretor clínico do hospital. De acordo com Torres, o equívoco – que atinge um em cada mil exames de HIV, segundo a Fundação Pró-Sangue de São Paulo – ocorreu durante a separação das amostras de sangue de um frasco para outro. O diretor clínico diz que o primeiro diagnóstico falso foi descoberto em dezembro, mas somente em maio o HC iniciou as investigações. "Quando o primeiro caso surgiu, ficamos em alerta, mas só quando duas pessoas nos ligaram questionando os resultados porque haviam feito novos testes em laboratórios particulares é que começamos a verificar o problema", afirma Torres. Até esse momento, contudo, o estrago na vida dos falsos soropositivos já estava feito.

Ao saber que era portador do HIV, o eletricista "Pedro" (nome fictício), 40 anos, sentiu o corpo dormente e pensou que estava sofrendo um infarto. "Tive uma crise tão forte que fui socorrido às pressas pelos médicos", lembra ele, o primeiro a comprovar que havia sido vítima do erro do HC. Uma semana após receber o exame, o eletricista procurou um laboratório particular: o teste deu negativo. Com as duas provas contraditórias, Pedro ficou sem ação por seis meses. "Fiquei sem coragem de fazer um terceiro exame. Vivi um pesadelo até o hospital assumir o erro. Agora estou tranquilo e só quero esquecer o sofrimento que passei." Ele afirma que não vai acionar o hospital na Justiça.

 

Derrame Se mudar de idéia, Pedro pode ganhar uma ação por danos morais. É o que procura a secretária Magda de Barros, 30 anos. "Passei 15 dias de angústia e impotência. Fiquei desesperada, pois não encontrava uma explicação", diz Magda, que ao realizar exame de gravidez em um laboratório de São Paulo foi notificada de que teria o HIV. Até realizar novo teste, ela viveu duas semanas de suspense. Pediu licença do trabalho, emagreceu dois quilos e sofreu um sangramento devido a nervosismo. Hoje está processando o laboratório. "Casos como esse são passíveis de indenização, pois a vida pessoal e profissional da pessoa fica destruída", diz o advogado Paulo Sérgio Santo André, que está com duas ações no Fórum da Fazenda Pública da capital paulista contra o Estado de São Paulo, mantenedor de um laboratório e de um hospital que viraram pelo avesso a vida de duas mulheres ao dar-lhes a condição de soropositivos. Uma das ações está ligada à dramática história da governanta Manoelina Monteiro, 47 anos, que em 1991 se submeteu a um check-up e, entre vários exames, o de HIV deu positivo. Poucos dias depois da notícia, Manoelina sofreu um derrame cerebral que paralisou todo o lado esquerdo de seu corpo. Ela ficou prostrada em uma cadeira de rodas e, até o ano passado, não sabia seu real estado de saúde. Ela nunca foi soropositivo. "Como a doença não evoluía, um médico pediu um novo exame. O erro, porém, acabou com sua vida", diz Santo André, que pede R$ 5 milhões de indenização.

O advogado calcula em R$ 4 milhões a indenização por danos morais da empregada doméstica Lucinéia Batista Mateus, 27 anos, moradora de São José do Rio Preto, interior de São Paulo. A moça acreditou ser portadora do HIV de setembro de 1997 a agosto de 1998. Nesse tempo, perdeu o emprego e foi discriminada. Ela também foi informada de que teria o vírus ao se submeter a um exame de gravidez. "Eu não acreditei, mas a médica insistiu e disse que não adiantava fazer outro. Ela foi curta e grossa e já me passou medicamentos", lembra Lucinéia. A doméstica pensou até em abortar, pois pensava que o bebê nasceria contaminado. "Fiquei louca, só chorava. Mas meu marido ficou do meu lado e me impediu de fazer o pior." O tratamento à base de AZT causou sérios problemas em sua saúde. Seu cabelo começou a cair, ela perdeu peso, não dormia nem comia direito. "Fui parar no hospital. E quando meu filho nasceu, prematuro, o médico disse que eu não podia tocar nele senão ia contaminá-lo." Começaram a ministrar AZT na criança antes mesmo de fazer o exame. Só um mês depois do nascimento descobriram que o bebê, chamado Lucas, era saudável. Os médicos então pediram para Lucinéia fazer novo teste. Deu negativo. "Me chamavam na rua de aidética. Não pude amamentar meu filho. Nunca vou esquecer." A moça descobriu que viveu o pesadelo em função de um simples erro de datilografia. "A médica nem olhou direito, pois no próprio exame havia uma informação que negava a doença. Agora quero ganhar a indenização para ajudar crianças com Aids."