O jogo do bicho perdeu espaço em São Paulo, mas nem por isso os chefões da loteria zoológica ficaram mais pobres. A maior fonte de renda deles no momento vem da exploração de máquinas caça-níqueis ilegais. Elas infestaram a cidade e daí propagaram-se para o restante do País. São ilegais, mas, assim como no jogo do bicho, uma rede que envolve policiais a fiscais municipais dá a proteção necessária para que a jogatina nunca acabe. As máquinas estão instaladas em bares, lanchonetes, padarias e farmácias. Somente na capital paulista, as apostas garantem um lucro de R$ 60 milhões por mês. Joga-se com uma moeda de 25 centavos e, pelo menos teoricamente, podem-se obter ganhos de até mil moedas (R$ 125) ou seis mil (R$ 1,5 mil). Elas são programadas, porém, para nunca atingir tais somas. Os antigos anotadores passam duas vezes por semana em cada ponto para fazer o recolhimento das moedas. Os comerciantes que instalam o equipamento em seus estabelecimentos recebem uma porcentagem de 30% a 50% do que é arrecadado e assumem apenas o gasto com o consumo de energia elétrica.

Cada bicheiro se encarrega de distribuir as máquinas nas suas áreas de atuação. Como no jogo comum, um não pode invadir o espaço do outro. Donos de bares e apostadores dizem que o negócio em São Paulo seria comandado por Ivo Noal, que se intitula apenas porta-voz da contravenção. Ele seria o encarregado de trazer as máquinas da China, do Japão, da Espanha e dos Estados Unidos e as repassaria depois para outros bicheiros. Elas entram ilegalmente, segundo os próprios comerciantes que exploram o jogo, pelo porto de Santos ou Ciudad del Este, no Paraguai. Máquinas sofisticadas chegam a custar R$ 300 mil. Outras mais simples – com peças adquiridas no Paraguai – podem ser fabricadas no Brasil e custam em torno de R$ 5 mil. A exploração dos caça-níqueis seria repartida, por exemplo, no bairro da Lapa pelos bicheiros conhecidos como Piu-Piu e Estrela, na Vila Maria pelo Chico Ronda e em Itaquera pelo Salim.

 

Cinismo Ao assumir o cargo em novembro de 1998, o secretário das Administrações Regionais de São Paulo, Domingos Dissei, anunciou que uma de suas metas seria acabar com a jogatina, que já se espalhava pela cidade. Locais públicos como bares, padarias e lanchonetes, afinal, não têm autorização para explorar jogos de azar, segundo o Decreto-lei nº 3.688, de 1941. A única exceção seria para os bingos. No bairro do Ipiranga, a prefeitura mantém em um galpão cerca de duas mil máquinas apreendidas. Dissei alega não ter como acabar com o esquema. "Se apreendemos 20 máquinas num único lugar, outras 40 aparecem lá no dia seguinte", justifica um assessor de Dissei. Eventuais multas também são custeadas pelos donos das máquinas. O pior é que esse tipo de jogo atrai justamente os mais pobres. "Jogo todo o dia, mas acho que esse tipo de coisa não devia existir", diz o copeiro José Augusto da Silva, 37 anos. "É um vício. Se fizer as contas, já devo ter perdido uns R$ 5 mil até hoje. Às vezes, perco tudo e fico até sem dinheiro para o aluguel." O mecânico Sebastião Ferreira, 33 anos, vai na mesma linha. "Já perdi R$ 300 de uma vez."