Magro, alto e grisalho, o ministro do STF Ricardo Lewandowski saiu da votação dos embargos infringentes como aquele lutador de boxe que é massacrado em todos os momentos de combate, mas consegue recuperar-se no último assalto. Principal voz dissidente nos 13 meses de um julgamento no qual a opinião de grande parte da população era favorável a uma condenação rápida e implacável dos réus, Lewandowski esteve no centro de ataques incomuns, dentro e fora do tribunal. Do ponto de vista do ministro, os embargos representam uma chance de mudar o último capítulo da história.   

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VIRADA?
Principal voz dissidente nos 13 meses de julgamento, o ministro Ricardo Lewandowski
acredita que os embargos podem mudar o último capítulo da história

No primeiro semestre de 2012, o então presidente do STF, Carlos Ayres Britto, enviou a Lewandowski uma advertência, divulgada pelos jornais, que equivalia a uma queixa sobre a morosidade de seu trabalho – cobrava rapidez e fixava prazos na revisão do processo. Em plenário, num comportamento que se manifestava com impressionante regularidade, o relator Joaquim Barbosa demonstrou várias vezes uma postura contrariada em relação a seus votos. Em outubro do ano passado, quando o ministro foi votar nas eleições municipais, o presidente da seção eleitoral sentiu-se à vontade para lhe dizer, em tom desrespeitoso, diante de câmeras de tevê: “Dê um abraço no José Dirceu”.

Aos 65 anos, sapatos de bico fino, ternos bem cortados, Lewandowski lembra um cidadão de comportamento comum demais para gestos de caráter heroico. Mas foi capaz de dar um pequeno soco no ar quando, há duas semanas, após várias conversas discretas com outros integrantes do STF, concluiu que os embargos infringentes seriam aprovados. “Dessa vez os direitos fundamentais vão ganhar”, festejou, caminhando a passos largos pelo gabinete. Com a confirmação do resultado, na semana seguinte, o ministro fez questão de elogiar o voto de Celso de Mello, “uma aula para todos nós, que logo será debatida e estudada no País inteiro e também no Exterior.”

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Com uma carreira construída a boa distância dos círculos elitizados do direito paulista, Lewandowski formou-se em São Bernardo do Campo e tirou um segundo diploma na Escola Paulista de Sociologia e Política, em São Paulo. Embora seja professor titular na Universidade de São Paulo, nunca irá competir em torneios de erudição que costumam ocorrer nas votações mais concorridas no Supremo. Em seu mestrado em direito internacional pela Universidade de Tufts, em Boston, o ministro debateu a  política de direitos humanos do presidente americano Jimmy Carter, assunto prioritário de uma geração que viveu sob a violência do regime militar. Décadas depois, em versão atualizada num país que mantém o mais longo período democrático de sua história, a preocupação com direitos humanos e garantias individuais também apareceu no julgamento da Ação Penal 470. Lewandowski foi um dos primeiros a questionar, já em 2007 o simples indiciamento do ex-ministro Luiz Gushiken, sustentando que não havia uma única prova para que fosse indiciado como réu, antecipando decisão unânime do plenário, seis anos depois. Ao lado da ministra Rosa Weber, Lewandowski também fez parte do grupo de ministros que questionou a condenação de José Dirceu e outros réus pelo crime de formação de quadrilha, alegando que se baseava em indícios frágeis e pouco claros, argumentação que serviu de base para o embargo infringente que será debatido nos próximos meses.

Lewandowski  chegou ao Supremo em 2006, quando nem era a primeira opção de Luiz Inácio Lula da Silva para ocupar a vaga deixada por  Carlos Velloso, que ficou 16 anos no STF. O nome predileto, Cesar Asfor Rocha, acabou derrubado por um intenso murmúrio em torno de denúncias fortes, jamais comprovadas. Nessa situação, Lula nomeou Lewandowski, que, entre outros predicados, contava com a simpatia decidida da primeira-dama Marisa Silva, muito amiga da mãe do ministro nas rodas sociais de São Bernardo do Campo. Embora as insinuações feitas por Joaquim Barbosa no tribunal tenham contribuído para lhe dar fama de pouco interessado na defesa dos princípios morais e do combate à corrupção na vida pública, os fatos apontam em outra direção. Deve-se a Lewandowski um voto histórico que proíbe o nepotismo até de parentes de terceiro grau nos três poderes. Em 2010, como presidente do TSE, ele aprovou a aplicação imediata, já naquele ano, da Lei Ficha Limpa, que proíbe candidaturas de políticos condenados por sentenças colegiadas.